Youtube - Carta Apostólica "Desiderio desideravi" do Papa Francisco (2022)
Sobre a formação litúrgica do povo de Deus
Parte 1/6
EXCERTO: "Pedro e João tinham sido mandados fazer os preparativos para se poder comer a Páscoa mas, vendo bem, toda a criação, toda a história – que finalmente estava para se revelar como história de salvação – é uma grande preparação para a Ceia. Pedro e os outros estão a essa mesa inconscientes e, todavia, necessários: qualquer dom para o ser deve ter alguém disposto a recebê-lo. Neste caso a desproporção entre a imensidade do dom e a pequenez de quem o recebe é infinita e não pode deixar de nos surpreender. Apesar disso – por misericórdia do Senhor – o dom é confiado aos Apóstolos para que seja levado a todos os homens. Ninguém tinha ganho um lugar para aquela Ceia. Todos foram convidados ou, melhor, atraídos pelo desejo ardente que Jesus tem de comer aquela Páscoa com eles: Ele sabe que é o Cordeiro daquela Páscoa, sabe que é a Páscoa. Esta é a novidade absoluta daquela Ceia, a única verdadeira novidade da história, que torna aquela Ceia única e, por isso, “última”, irrepetível."
Parte 2/6
EXCERTO: "Devemos ao Concílio – e ao movimento litúrgico que o precedeu – a redescoberta da compreensão teológica da Liturgia e da sua importância na vida da Igreja: os princípios gerais enunciados pela Sacrosanctum Concilium, tal como foram fundamentais para a intervenção da reforma, assim o continuam a ser para a promoção daquela participação plena, consciente, ativa e frutuosa na celebração, “primeira e indispensável fonte na qual os fiéis podem haurir o genuíno espírito cristão” (Sacrosanctum Concilium, n. 14; veja-se também o n. 11). Com esta carta gostaria simplesmente de convidar toda a Igreja a redescobrir, guardar e viver a verdade e a força da celebração cristã. Gostaria que a beleza do celebrar cristão e das suas necessárias consequências na vida da Igreja não fosse deturpada por uma compreensão superficial e redutora do seu valor ou, pior ainda, por uma instrumentalização dela ao serviço de uma qualquer visão ideológica, seja ela qual for. A oração sacerdotal de Jesus na última Ceia para que todos sejam um só (Jo 17, 21), julga qualquer divisão nossa em torno do Pão partido, “sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade”
Parte 3/6
EXCERTO: "A questão fundamental é, portanto, esta: como recuperar a capacidade de viver em plenitude a ação litúrgica? Tal era o objetivo da reforma do Concílio. O desafio é muito exigente porque o homem moderno – não do mesmo modo em todas as culturas – perdeu a capacidade de se confrontar com o agir simbólico que é uma característica essencial do ato litúrgico. A pós-modernidade – em que o homem se sente cada vez mais perdido, sem referências de qualquer tipo, privado de valores porque tornados indiferentes, órfão de tudo, numa fragmentação em que parece impossível um horizonte de sentido – é ainda agravada pela pesada herança que nos deixou a época anterior, feita de individualismo e subjetivismo (que, mais uma vez, remetem para pelagianismo e gnosticismo) bem como de um espiritualismo abstrato que contradiz a própria natureza do homem, espírito encarnado e, portanto, capaz em si mesmo de ação e de compreensão simbólica."
Parte 4/6
EXCERTO: "De quanto dissemos sobre a natureza da Liturgia resulta evidente que o conhecimento do mistério de Cristo, questão decisiva para a nossa vida, não consiste numa assimilação mental de uma ideia, mas numa real implicação existencial com a sua pessoa. Neste sentido a Liturgia não diz respeito ao “conhecimento” e a sua finalidade não é primariamente pedagógica (embora tenha um grande valor pedagógico: cf. Sacrosanctum Concilium, n. 33), mas é o louvor, a ação de graças pela Páscoa do Filho, cuja força de salvação alcança a nossa vida. A celebração diz respeito à realidade do nosso ser dóceis à ação do Espírito que nela opera, até que Cristo seja formado em nós (cf. Gl 4, 19). A plenitude da nossa formação é a conformação a Cristo. Repito: não se trata de um processo mental, abstrato, mas de chegar a ser Ele. É esta a finalidade para a qual foi dado o Espírito, cuja ação é sempre e só a de fazer o Corpo de Cristo. É assim com o pão eucarístico, é assim para todos os batizados chamados a tornarem-se cada vez mais aquilo que receberam em dom no Batismo, isto é, a serem membros do Corpo de Cristo. Escreve Leão Magno: “A nossa participação no Corpo e no Sangue de Cristo não tem outro fim a não ser transformar-nos naquilo que recebemos”
Parte 5/6
EXCERTO: "Entre os gestos rituais que pertencem a toda a assembleia, o silêncio ocupa um lugar de importância absoluta. Várias vezes é expressamente prescrito nas rubricas: toda a celebração eucarística é imersa no silêncio que precede o seu início e marca cada instante do seu desenvolvimento ritual. Efetivamente, está presente no ato penitencial; após o convite à oração; na liturgia da Palavra (antes das leituras, entre as leituras e após a homilia); na oração eucarística; depois da comunhão. Não se trata de um refúgio onde esconder-se para um isolamento intimista, quase sofrendo a ritualidade como se de uma distração se tratasse: um tal silêncio estaria em contradição com a própria essência da celebração. O silêncio litúrgico é muito mais: é o símbolo da presença e da ação do Espírito Santo que anima toda a ação celebrativa; por esse motivo muitas vezes constitui o ápice da sequência ritual. Precisamente porque é símbolo do Espírito tem o poder de exprimir a sua ação multiforme. Assim, retomando os momentos que acima recordei, o silêncio move ao arrependimento e ao desejo de conversão; suscita a escuta da Palavra e a oração; dispõe à adoração do Corpo e do Sangue de Cristo; sugere a cada um, na intimidade da comunhão, o que o Espírito quer realizar na vida para nos conformar ao Pão partido. Por isso, somos chamados a realizar com extremo cuidado o gesto simbólico do silêncio: é nele que o Espírito nos dá forma."
Parte 6/6
EXCERTO: "Gostaria que esta Carta nos ajudasse a reavivar o assombro pela beleza da verdade do celebrar cristão, a recordar a necessidade de uma formação litúrgica autêntica e a reconhecer a importância de uma arte da celebração que esteja ao serviço da verdade do mistério pascal e da participação de todos os batizados, cada qual com a especificidade da sua vocação. Toda esta riqueza não está longe de nós: está nas nossas igrejas, nas nossas festas cristãs, na centralidade do domingo, na força dos sacramentos que celebramos. A vida cristã é um contínuo caminho de crescimento: somos chamados a deixar-nos formar com alegria e na comunhão."