A Fuga à Dor e ao Sofrimento
Em Medicina, um dos sintomas cardinais, ou seja, mais importantes, é a dor. É, aliás, o primeiro sintoma que aprendemos a caracterizar, a esmiuçar, a procurar e a desenvolver. A intensidade dessa dor permite-nos logo excluir e diagnosticar várias patologias, que de seguida devemos explorar melhor.
Este ano, no meu primeiro ano clínico (com contacto directo e diário com doentes), tenho aulas com médicos mais velhos, que se formaram numa altura em que quase não existia qualquer método auxiliar de diagnóstico. Os diagnósticos eram assim feitos baseando-se só nos sintomas que o doente nos dava e nos sinais que encontrávamos ao realizar o exame objectivo.
Um dia destes, o meu tutor falou-nos da dificuldade que existe hoje em dia na avaliação da dor. Isto porque, hoje, quando uma pessoa tem a mais pequena dor, vai logo tomar um analgésico. Ou dois. Ou três. Ou mais.
Hoje é raro um doente vir à urgência por dor e não ter tomado antes em casa vários analgésicos. Assim, ao perguntarmos o nível da sua dor, a resposta já não será verdadeira. E é assim que muitas doenças graves não são logo identificadas.
Outra coisa que se verifica também é o aumento generalizado dos níveis de dor dos pacientes. Explicando-vos melhor: em medicina usa-se diversas escalas para quantificar a dor dos doentes. A mais usada, considera como zero (0) ausência de dor e como dez (10) a pior dor que o doente alguma vez sentiu.
O que se tem verificado é que hoje a maioria dos doentes refere tudo como tendo uma intensidade de 10/10. Eu acredito que eles estejam a falar a verdade e que aquela seja mesmo a pior dor que alguma vez sentiram. Mas a verdade está adulterada, pelo facto de hoje em dia já ninguém suportar os níveis de dor, que até há pouco tempo seriam perfeitamente aceitáveis. Estão a perceber?
Eu penso que esta fuga, às vezes desenfreada, à dor se reflecte também noutras áreas da vida das pessoas.
Parece-me que hoje todos tentamos fugir de tudo o que nos magoe de alguma forma.
Fugimos das situações que não gostamos e onde nos sentimos desconfortáveis. Fugimos dos nossos sentimentos e impedimo-nos de sentir o que for pelo próximo. Fugimos de conversas, com medo da discussão. Fugimos do outro, com medo da sua opinião e do que possa achar de nós. Fugimos das relações, porque no passado algo correu mal e é provável que nos magoemos no futuro. Fugimos da dor física, da dor psicológica e da dor espiritual. Fugimos. Fugimos. Fugimos.
E assim, desistimos de lutar, porque achamos que não vale a pena. Desistimos de lutar pelos nossos princípios, valores e tradições, porque já ninguém o faz. Desistimos de lutar por o que está certo, porque isso daria imenso trabalho. Desistimos de lutar pela vida, porque a morte é tão mais fácil. Desistimos de lutar pela nossa família, porque o mundo diz que o melhor são os amigos. Desistimos de lutar pelas relações, por medo do exemplos alheios. Desistimos de amar, de viver pelos outros, de ser felizes. Desistimos e baixamos os braços.
Desistimos, pensando que é o mais fácil e que nos iremos sentir melhor. Mas na verdade ainda nos sentimos pior. Desistimos. E partimos para outra. Porque é isso que o nosso mundo hoje nos diz para fazer.
Temos tanto medo da dor. E por isso fugimos dela em todas as circunstâncias da nossa vida.
Uma particularidade que encontro nas vidas de todos os santos é a quantidade de dor. Reparem que todos os santos sentiram dor. A dor fisica nos martírios, a dor psicológica nas perseguições e a dor espiritual pelo sofrimento existente no mundo. Os santos compreenderam que tinham de a aceitar, para a poderem combater de frente. Todos tiveram duvidas, todos tiveram medo. Mas escolheram confiar em Deus e nas Suas promessas.
Uma vez li que a frase "Não tenhas medo" está escrita exactamente 365 vezes na Bíblia. Reparem, 365 vezes. TODOS os dias do ano Deus relembra-nos para não termos medo. Ele prometeu que estaria sempre connosco até ao fim dos tempos.
"Enquanto viveres, ninguém te poderá resistir;
estarei contigo como estive com Moisés;
não te deixarei nem te abandonarei.
Isto é uma ordem: sê firme e corajoso.
Não te atemorizes, não tenhas medo,
porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde fores."
Josué 1:5,9
O caminho da santificação é doloroso. Se queremos ser santos, como tantos antes de nós, temos de estar dispostos a sofrer. Jesus não nos prometeu que viria para retirar as nossas dores. Aliás Jesus disse-nos para cada um pegar na sua cruz e segui-Lo.
"Jesus disse aos seus discípulos: Se alguém quiser vir Comigo,
renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.
Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á;
mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por Minha causa, encontrá-la-á."
Mateus 16:24,25
Mas não desanimem. Não fujam, como o resto do mundo. Deus, na sua misericórdia, dar-nos-á a recompensa divina. Não procuremos substitutos dela aqui na terra. Busquemos sim a recompensa eterna e celeste.
Tenham fé e acreditem nas promessas de Deus como Maria.
"Então disse Maria: «Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua palavra»."
Lucas 1:38
"«Bem-aventurada é aquela que acreditou que o Senhor cumprirá tudo quanto lhe foi revelado!»"
Lucas 1:45