Façamos espaço
Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.
Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. (Lc 2,1-5)
São José é chamado a ir recensear-se na sua terra natal, em Belém, nos últimos tempos da gravidez de Maria. Por esta altura, já deviam ter tudo preparado para a chegada de Jesus na sua casa: berço, roupas, fraldas, a ajuda necessária da comunidade de Nazaré ... Tudo estaria pronto e preparado.
Contudo, inesperadamente, Deus chama-os a abandonar o conforto do seu lar e a abdicar do apoio dos vizinhos da aldeia, para viajarem até Belém, a 200km de distância de casa. Como já reflectimos anteriormente, os Evangelhos não nos explicam os motivos que levaram Nossa Senhora a acompanhar S. José até Belém - não era preciso que ela fosse até lá, mas Maria insistiu em ir também.
Bem - deverá ter pensado São José - ao menos em Belém haverá familiares que nos possam receber nas suas casas. Pensei muito neste aspecto ao longo deste tempo de Natal. Todos os elementos da família de São José, por mais próximos ou afastados que fossem, tinham sido chamados a apresentarem-se em Belém. Quando Maria e José chegaram finalmente a Belém, após cinco ou seis dias duma dura viagem, ao passo modesto dum burrinho carregando uma mulher grávida, a maioria dos seus familiares também já lá estariam ... e já estava tudo cheio.
E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria. (Lc 2,6-7)
Ao reflectir nesta passagem do Evangelho de São Lucas, não tendo a ficar com a impressão de que os habitantes de Belém, a família de Jesus, não quiseram recebê-Lo, mas sim que já não havia espaço. Já estava tudo cheio - as suas vidas, as suas casas, os seus dias, o seu presente e futuro - já estava tudo cheio, já não havia espaço para acolher a Sagrada Família e deixar que Jesus nascesse nos seus corações. Não me parece que não quisessem propriamente recebê-Lo, mas já estavam cheios de outras coisas, de outras pessoas, de outros problemas e preocupações deste mundo. Estavam tão cheios deste mundo e das coisas deste mundo (que só enchem, mas nunca preenchem!), que já não havia espaço para Deus nas suas vidas....
José e Maria, se quisessem, talvez ainda coubessem num cantinho da casa de alguém, desde que não incomodassem ninguém e não chamassem muito à atenção dos seus moradores, que tão concentrados estavam nas suas vidas ocupadas ... Oh, não tenderemos nós a fazer por vezes o mesmo, em certas alturas das nossas vidas?
E, assim, Jesus foi nascer numa gruta aberta e sem porta - porque todos estávamos convidados a ir recebê-Lo; que servia de abrigo e descanso merecido aos pobres animais de trabalho e transporte, como a vaca e o burro, e que, mesmo no seu cansaço, O acolheram; foi enrolado em panos, como se fazia ao cordeiro sacrificial da Páscoa judia, e colocado numa manjedoura transformada em altar de entrega e doação do verdadeiro Pão que nos sacia...
Mas Deus, que é rico em misericórdia e em amor, não perde uma única hipótese de nos oferecer uma nova oportunidade, de nos redimir, para que possamos tentar fazer o bem uma vez mais ...
Depois de ter ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. E prostrando-se, adoraram-No. (Mt 2,9-11)
Afinal, parece que alguém - não sabemos se uma família, uma viúva, um sacerdote, um tio ou primo de José - mas alguém arrependeu-se, reflectiu, deixou-se tocar e incomodar pelo mistério do Deus Menino, e fez espaço na sua casa, para O acolher. Para Deus, nunca - nunca! até ao derradeiro momento da nossa morte (a partir daí, só Deus saberá) - é tarde de mais. Há sempre tempo para o arrependimento, para tentarmos novamente, para fazermos melhor, ainda que pouco, a seguir.
Quem sabe se demorou algumas horas ou dias ou até semanas para isso acontecer; mas alguém arrependeu-se, pensou melhor novamente, e aceitou abrir, tanto as portas da sua casa, como do seu coração, como da sua vida, ao amor do Senhor. Quanta humildade e misericórdia Jesus nos demonstra e ensina, desde já, e Ele ainda mal nasceu ...
Gaudete, Gaudete, Christus est natus!