O amor Agape, o amor Filia e a transformação de Pedro
† Peregrinação: do EGIPTO à TERRA SANTA ~ 2019 †
~ Egipto - Jordânia - Israel - Palestina ~
Permanecemos um pouco mais nesta praia em Tagba, no sopé do Monte das Bem-Aventuranças, para ouvirmos e meditarmos noutro episódio que os Evangelhos nos contam e que também aconteceu aqui.
Jesus Ressuscitado tinha aparecido aos Apóstolos nesta praia, depois duma noite de pesca infrutífera. Estavam a perder o rumo, a viver uma autêntica "noite escura da alma" - como séculos mais tarde São João da Cruz nos explicaria tão bem. Parecia que Deus os tinha abandonado e toda a esperança tinha desvanecido ...
Jesus renova as suas forças e a sua fé oferecendo-lhes uma refeição, preparada com todo o Seu amor - tal como ainda hoje o deseja fazer, a cada um de nós, sempre que participamos na Santa Missa. Nutridos com este verdadeiro alimento - o corpo e sangue do próprio Deus - está na altura dos Apóstolos se porem a caminho; está na altura de partirem em missão; está na altura de responder com coragem à vocação a que o Senhor os chama ...
Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro:
«Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?»
Pedro respondeu:
«Sim, Senhor, Tu sabes que eu sou deveras teu amigo.»
Jesus disse-lhe:
«Apascenta as minhas ovelhas.»
Jo 21,15
(versão da Bíblia dos Capuchinhos)
Simão, tu amas-Me?
Também a nós Jesus faz essa pergunta ... Marisa, tu amas-Me? Mais que qualquer outra pessoa? Acima de tudo?
Outras traduções da Bíblia (mais correctas a meu ver) dizem-nos que a resposta de Simão Pedro foi:
Sim, Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de Ti ...
Tal como Pedro, também eu desejava poder dizer - Sim, Senhor, Tu sabes que eu Te amo ... mas, na verdade, ainda só sou capaz de responder - Sim, Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de Ti ...
A praia junto da Mensa Christi e do local do Primado de Pedro
Ao ouvir esta passagem do Evangelho de São João, na Terra Santa, lembro-me imediatamente duma homilia que tinha ouvido alguns meses antes e dum pequeno (grande!) livro de C.S. Lewis, chamado "Os quatros amores".
O Sr. Padre tinha-nos explicado que, nos textos originais dos Evangelhos, escritos em grego, o verbo utilizado na primeira pergunta de Jesus a Pedro tinha sido a conjugação do verbo Agape.
Para quem não estiver familiarizado com a palavra, o amor Agape é o nome que os primeiros cristãos encontraram para nomear o infinito e imerecido amor de Deus por cada um de nós. O amor Agape é o amor mais inteiro, mais completo. É um amor absolutamente desinteressado de si próprio e livre - livre para amar e servir o outro. Aquilo que o amor Agape mais deseja - ou, melhor dizendo, a pulsão irresistível que sente, impossível de conter ou dominar - é o doar-se, totalmente, ao outro. O amor Agape é o amor que deseja dar a vida pelo outro, que dá (e dá-se) sem medida, que dá (e dá-se) sem condições. É um amor completamente desmedido e incondicional. E este é o amor que Deus tem por cada um de nós....
Pedro responde à pergunta de Jesus - Pedro, tu amas-Me - com um amor Agape? - conjugando um verbo diferente, um diferente tipo de amor - Filia.
O amor Filia é o nome do amor de amizade. É o amor que "gosta muito" do outro. É um amor em que se sente grande alegria e prazer e bem-estar ao estar junto do outro, ao estar com o outro. É, contudo, um amor que exige uma cerca correspondência e reciprocidade da parte do outro. No fundo, o amor Filia é, digamos assim, um nível mais baixo, mais inferior de amor, do que o amor Agape (assumindo que este seja o amor mais completo)
Nós sabemos - explicou-nos o Sr. Padre - que o diálogo entre Jesus e Pedro não foi na língua grega, mas sim aramaica. Contudo, São João, como é seu hábito, não deixou passar esta oportunidade para dar uma belíssima e profundíssima lição de catequese. São João faz questão de apontar a diferença entre o amor de Jesus e o amor de Pedro.
Jesus pergunta a Pedro - Pedro, tu amas-Me com todo o teu coração? Com um amor totalmente desinteressado, livre, desmedido, de pura auto-doação?
E Pedro responde, sendo absolutamente franco e honesto - tal como nós já conhecemos que S. Pedro era - respondendo que amava Jesus sim, mas ainda duma forma incompleta...
Praia em Tagba - Foto tirada por outro peregrino - obrigado pela partilha!
Alguém reparou que as rochas grandes desta praia pareciam que tinham o formato de corações? Oh, quão adequado!!
[Jesus] voltou a perguntar-lhe uma segunda vez:
«Simão, filho de João, tu amas-me?»
Ele respondeu:
«Sim, Senhor, Tu sabes que eu sou deveras teu amigo.»
Jesus disse-lhe:
«Apascenta as minhas ovelhas.»
Jo 21, 16
Pela segunda vez, Jesus pergunta a Pedro se este O ama, conjugando o verbo Agape.
Pela segunda vez, Pedro responde que sim mas empregando o verbo Filia. Pedro conhece-se - e bem! Ainda há uns meros dias atrás, Pedro tinha prometido a Jesus, à frente de todos os que quisessem ouvir, que O amava de todo o coração, que permaneceria e O seguiria para onde quer que fosse, custasse o que custasse ... para, após uma única noite de susto e medo, na noite em que Jesus foi preso e acusado, ser capaz de O negar - não uma, não duas, mas três vezes ...
Mas Pedro, agora, conhece-se e bem; a experiência da vida transformou-o e, por isso, já nem tenta responder a Jesus - quer publicamente, quer no íntimo do seu coração - com o mesmo grau de amor que Este demonstrou ter por si. As provas são evidentes. Pedro gostava muito, oh mesmo muito, de amar Jesus tal como Ele o ama a si. Mas ainda não consegue. Ainda ...
Reparem também que, ao responder a Jesus, Pedro não começa a sua resposta dizendo logo - Senhor, eu gosto muito de ti ... - mas sim - Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de ti ...
Pedro ama Jesus com todo o amor que tem e consegue, com todo o amor que o seu finito e humano coração lhe permite. Mas aqui continuamos a observar outra transformação de Pedro - sempre tão constantes ao longo de todo o Novo Testamento como, assim o espero e desejo, as sejam na minha vida, na tua vida, na nossa vida...
Assim, Pedro diz: Tu, Senhor, conheces o meu coração. Conheces o quanto eu desejava amar-Te, mas não consigo - ainda. E a principal razão é que - Senhor, agora vejo e reconheço finalmente - todo o amor que existe, vem de Ti. Eu sou incapaz de saber apreciar este amor imenso - Agape - que Tu tens por mim. E eu sou absolutamente incapaz de amar assim, tal como Tu. Mas se Tu quiseres, Senhor, poderás transformar-me, uma vez mais. A Tua graça é suficiente. Porque Tu és a fonte de todo o amor! Porque todo o amor vem de Ti!
E [Jesus] perguntou-lhe, pela terceira vez:
«Simão, filho de João, tu és deveras meu amigo?» (ou então - Simão, tu gostas muito de mim?)
Pedro ficou triste por Jesus lhe ter perguntado, à terceira vez: ‘Tu és deveras meu amigo?’ Mas respondeu-lhe:
«Senhor, Tu sabes tudo; Tu bem sabes que eu sou deveras teu amigo!» (ou então - Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu gosto muito de Ti)
E Jesus disse-lhe: «Apascenta as minhas ovelhas.
Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo atavas o cinto e ias para onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te há-de atar o cinto e levar para onde não queres.»
E disse isto para indicar o género de morte com que ele havia de dar glória a Deus.
Depois destas palavras, acrescentou: «Segue-me!»
Jo 21,17-23
Disse-lhe Jesus: Alimenta, apascenta, cuida das minhas ovelhas.
Toma o teu cajado. Sê o seu pastor aqui na terra, a partir deste momento. Sê o seu primeiro Papa ...
À terceira vez, Jesus faz a pergunta conjugando, desta vez, o verbo Filia....
Jesus aceita "descer" ao nível do amor - actual - de Pedro. O amor Agape faz continuamente isto - sempre que for necessário, baixa a fasquia para chegar ao outro, para estar ao mesmo nível do outro, para caminhar ao ritmo do outro. O amor Agape é assim tão grande que é capaz de fazer isto - e com toda a simplicidade e naturalidade que o caracteriza.
Jesus muda a pergunta, visto que Pedro ainda não é capaz de mudar a sua resposta. Jesus continua o Seu diálogo de amor com Pedro - e com cada um de nós - deixando de pedir um amor que Pedro ainda não é capaz de dar. Ainda...
Segue-Me. Acompanha-Me. Não tenhas medo. Vem comigo.
Não olhes para a fragilidade e finitude do teu coração e das tuas capacidades.
Vem, segue-Me, acompanha-Me.
Se aceitares, se tiveres coragem, tempos virão, Pedro (ou Marisa, Ana, Maria, João, António ...), onde então sim, serás capaz de amar, de amar-Me e, por conseguinte, aos irmãos - com um verdadeiro amor Agape.
Que assim seja Jesus! Amén
† Peregrinação: do EGIPTO à TERRA SANTA ~ 2019 †
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