Porque perdemos a paz nos nossos corações?
No meu último post falei-vos acerca da batalha que Deus nos chama a travar, para mantermos sempre e em todas as circunstâncias a paz interior, que só Ele nos pode oferecer.
Mas então o que fazer se nos encontrarmos num momento da nossa vida em que não conseguimos encontrar nenhuma paz interior?
Temos de descobrir (ou relembrar) as razões que nos fazem perder essa paz. Temos de procurar descobrir (ou relembrar) as razões, profundas e verdadeiras, que estão na raiz do nosso problema de falta de paz interior, e não apenas aquelas razões superficiais, que não passam de desculpas para as nossas atitudes e acções ("estou cansada", "chateei-me com alguém no trabalho", "os miúdos hoje portaram-se mal", "tive um dia difícil" ....). Temos de descobrir (ou relembrar) as razões que nos fazem perder a nossa paz interior - não apenas nos momentos importantes da nossa vida, mas em especial naqueles momentos do dia a dia em que, continua e constantemente, perdemos e perdemos e voltamos a perder a paz, por mais que a gente se "esforce" para a retomar....
"Vede o que diz o Senhor Deus, o Santo de Israel:
«A vossa salvação está na conversão e em terdes calma;
a vossa força está em terdes confiança e em permanecerdes tranquilos.»
Mas não quisestes." (Is 30,15)
Uma das principais razões que nos fazem perder a paz nos nossos corações é o medo. O medo do desconhecido, o medo do incerto e da incerteza, o medo nas situações que não podemos controlar... Sentimos muito medo, ansiedade e preocupação assim que nos deparamos com situações difíceis, quer elas se apresentem imediatamente, momento presente, quer apenas algures no futuro ... Sentimos medo de falhar, de errar; temos medo que nos falte alguma coisa, que não saibamos o que é melhor fazer...
O nosso medo de perder alguma coisa - desde bens materiais, à nossa reputação, às horas (ou até apenas minutos) do nosso tempo - ou o medo de nos faltar alguma coisa importante - seja ela material ou alguma capacidade / virtude / traço de personalidade - faz-nos logo entrar num estado de agitação interior, ansiedade e preocupação, e rapidamente perdemos a paz interior (que deu tanto trabalho a Deus nos anos / meses / horas / minutos ou até segundos anteriores !....)
Então, o que podemos fazer?
Palavras de Jesus:
"Qual de vós, por mais que se preocupe,
pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?" (Mt 6,27)
A resposta é dolorosa (em especial, para o nosso orgulho) e já a partilhei convosco no post anterior. Usando apenas as nossas próprias capacidades, não podemos fazer nada que resulte. Tentando controlar ao máximo todas as variáveis / eventos / situações e pessoas na nossa vida, também não iremos conseguir.
"Sem Mim, nada podeis fazer." (Jo 15,5)
Aliás, vou-me atrever a dizer que, a maneira mais rápida e eficaz de perdermos a nossa paz é exactamente tentarmos nós próprios resolvermos a situação, usando unicamente as nossas capacidades, as nossas decisões pessoais, ou procurando que outro resolva a situação por nós.
"Sem Mim, nada podeis fazer." (Jo 15,5)
Para preservar a paz nos nossos corações, mesmo no meio da loucura e imprevisibilidade do nosso dia a dia, temos apenas uma solução: Confiar em Deus. Confiar na Divina Providência. Confiar totalmente e só em Deus.
E é assim que nos deparamos com outra verdade dolorosa: nós não confiamos em Deus; nós não acreditamos, plenamente, que
"O vosso Pai celeste bem sabe do que necessitais" (Mt 6,32)
Parem para pensar um bocadinho nesta verdade ...
Quão injustificada é esta nossa falta de confiança em Deus!
Como se Ele não tivesse já dado provas mais do que suficientes para nos provar todo o Seu amor, misericórdia e providência perfeita em tantas, tantas, tantas situações - tanto na história do Povo de Deus, na vida dos Santos, na história da Igreja, na nossa própria história de vida ....
Porque não confias em Mim, o teu Criador? Porque contas apenas contigo? Não serei Eu leal e fiel contigo? Redimi e restaurei a humanidade através da graça proveniente do sangue do Meu único Filho e deste modo o homem pode dizer que experimentou a minha fidelidade. Mas, apesar de tudo isso, o homem ainda duvida; ainda duvida se Eu serei suficientemente poderoso para o ajudar, suficientemente forte para o defender dos seus inimigos, suficientemente sábio para iluminar a sua inteligência, ou se Eu serei suficientemente misericordioso para lhe oferecer o que for necessário para a sua própria salvação. Não serei Eu suficientemente rico para lhe oferecer um tesouro ou suficientemente belo para o embelezar; quem poderá dizer que receia não encontrar pão suficiente na Minha casa para o alimentar, ou roupa suficiente para se cobrir?
Diálogo de Santa Catarina de Sena com Deus, capítulo 140
(Texto original em inglês, tradução livre minha)
Temos de reverter esta desconfiança que nós próprios provocámos, desde a altura do Jardim do Éden. Temos de combater esta nossa tendência do pecado original, de não confiarmos nas promessas de Deus. Ao longo de toda a nossa vida, por mais longa ou breve que ela seja, é nosso dever, como cristãos e filhos muito amados de Deus, avançar sempre neste processo de recuperar a confiança perdida, através da graça do Espírito Santo - o Único capaz de nos fazer dizer novamente, de coração, Abba, Pai!
Este processo de recuperar a confiança perdida no amor de Deus não vai ser fácil, aliás, vai ser difícil, provavelmente longo e sem dúvida que doloroso por vezes. Mas é necessário - todos os Santos nos têm ensinado isso.
Estamos quase no início duma nova Quaresma. Aceitemos o desafio, digamos sim ao chamamento de Deus - atrevam-se a abandonar-se, um pouquinho mais a cada dia, nas mãos de Deus. Larguem a corda, deixem de tentar controlar tudo, abandonem-se e confiem em Deus, tanto nas pequenas coisas como nas grandes...
Deus não permanecerá calado, Deus não ficará quieto, disso podem ter a certeza!
Deus aproveitará todas as oportunidades que vocês lhe dêem para manifestar a Sua ternura, o Seu extremo cuidado e amor com cada um de nós; Ele manifestará visivel e palpavelmente a Sua divina providência e a Sua eterna fidelidade para connosco.
"Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados, de acordo com o Seu desígnio.
Se Deus está por nós, quem poderá estar contra nós?
Ele, que nem sequer poupou o Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós,
como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele?" (Rom 8,28.31-32)
Uma abençoada Quaresma para todos!
Reflexão após leitura dum livro do Pe Jacques Philippe