Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Ao reflectir sobre o início da Quaresma deste ano, dei por mim a pensar no exemplo da profetisa Ana, que nos é dada a conhecer no relato da apresentação de Jesus Menino no Templo de Jerusalém. Ana tende a passar tão despercebida entre as linhas do Evangelho como também deve ter passado despercebida ao longo da sua própria vida. Ao rezar os Mistérios Gozosos do Terço, quantas vezes dou por mim a pensar mais em Simeão e nas suas palavras do que nas de Ana?...
"Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram o Menino a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor. Havia uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, ficou viúva até aos oitenta e quatro anos". (Lc 2, 22.36-37)
À semelhança de Nossa Senhora, também a vida de Ana sofreu uma grande e inesperada reviravolta quando, tragicamente, Ana perdeu o seu amado marido, sendo ainda muito nova, após um feliz mas dolorosamente curto matrimónio. Ana terá certamente pensado: E agora, o que devo fazer? Sem filhos e sem família ... Quem cuidará de mim? Quem me protegerá? Quem me amará?
Ana, à semelhança da história do povo hebreu e à semelhança de cada um de nós em alguma altura das nossas vidas, teve de descobrir o amor carinhoso, o cuidado atencioso, a protecção segura, a firmeza da presença permanente e inabalável do Deus que nunca nos abandona e que nos acompanha em todos os instantes da nossa vida. Pela fé, Ana permitiu que Deus transformasse um acontecimento trágico, que poderia tê-la destruído interiormente, em algo belo e frutuoso - uma vida dedicada ao serviço dos irmãos e à oração pela vinda do Messias prometido, que viria resgatar para sempre todo o povo de Israel.
Talvez por o Evangelho nos falar do seu "tempo de donzela", eu tendo a imaginar Ana como uma daquelas mulheres que desenvolvem uma beleza tão única e especial, que não parece mudar com o avançar dos anos. Aquele tipo de beleza que só é possível ser desenvolvida por quem se deixa preencher, cativar e florescer pelas graças do Senhor, numa contínua relação de intimidade de amor mútuo com Deus. Imagino Ana com um espírito jovem e vivo, típico de quem aprende a falar com o Senhor como com um amigo, mas, simultaneamente, com uma alma firmemente enraizada no profundo amor e bondade do Senhor, demonstrado e comprovado em todos os dias da sua longa vida.
Pintura da Profetisa Ana, da autoria da maravilhosa artista protestante Elspeth Young
Ana viveu e serviu no Templo de Jerusalém durante várias décadas, após ter ficado viúva, o que lhe terá permitido ouvir repetidamente as palavras divinas da Lei e dos Profetas, as inúmeras discussões e ensinamentos dos escribas e dos fariseus, assim como observar todos os movimentos, carregados de significado e simbolismo, dos sacerdotes do Templo. Assim, Ana estaria bem familiarizada com as diversas profecias dos autores sagrados que anunciavam a vinda do Messias. Isto, associado ao cuidado amadurecimento do seu génio feminino e a uma graça especial do Senhor, fizeram dela uma das poucas profetisas nomeadas nas Sagradas Escrituras, à semelhança de Miriam, irmã de Moisés, e de Débora no Antigo Testamento. Uma profetisa é alguém que sabe interpretar os sinais dos tempos e de discernir a vontade de Deus, tal como ela o fez, de forma aparentemente tão simples, no relato da apresentação de Jesus no Templo - um acontecimento de tal forma importante que foi imortalizado para sempre, primeiro na Tradição da Igreja, depois nas páginas da Bíblia e depois ainda nos Mistérios do Santo Terço.
[Ana] não se afastava do Templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. (Lc 2,38)
A sua presença constante no Templo, contudo, também lhe daria hipóteses de observar atentamente o comportamento dos fariseus legalistas, o domínio crescente dos vendedores, comerciantes e cambistas, assim como todas as demonstrações de hipocrisia, desrespeito e pecado, realizadas na Casa do Senhor, aquela que devia ser "casa de oração" por excelência, e não um "covil de ladrões" como se tinha tornado (cf Mt 21,13). Questiono-me se alguma vez lhe terá passado pela cabeça fazer algo parecido ao que Jesus faria, anos mais tarde, expulsando "os que vendiam e os que compravam" e "derrubando as mesas" onde se propagava a iniquidade daquele povo? (cf Mt 21,12) Quem sabe ...
Ana é um belo exemplo de paciência, de quem sabe esperar fielmente pelo cumprimento das promessas do Senhor. Mas, ao contrário do que o mundo nos diz, esperar no Senhor e esperar pelo cumprimento das Suas promessas, não tem nada de passivo. Ana participava na vida e nas celebrações do Templo de Jerusalém, servindo o Senhor e os irmãos e dedicando-lhes toda a sua vida. Ana era activa na sua espera, jejuando e orando frequentemente. Quem já jejuou sabe que é algo que tem pouco de passivo, é necessário uma luta interior, permanente, contra o desejo natural de saciar o nosso corpo com comida.
Ana ter-se-á dedicado a preparar-se, à semelhança das virgens prudentes (cf Mt 25,1-13), para a vinda do Messias desejado. Ana é um exemplo perfeito de quem conseguiu manter acesa dentro de si a chama da esperança, da fé nas promessas feitas pelo Deus fiel, apesar das dificuldades e das situações que a poderiam desanimar e enfraquecer. Assim, ela esperou e esperou e esperou. Atenta e vigilante aos sinais dos tempos e do Senhor. Com fé viva e expectante - durante 84 anos.
Se Ana "não se afastava do Templo, participando no culto de noite e de dia", quem sabe se ela não terá também testemunhado os acontecimentos extraordinários que envolveram o sacerdote Zacarias no ano anterior? (cf Lc 1,5-25)
Talvez também ela terá reparado em como Zacarias se demorava no interior do Santo dos Santos. Talvez também ela terá esperado que ele de lá saísse, expectante acerca do que poderia estar a acontecer. Talvez também ela terá ficado admirada por descobrir que Zacarias "não lhes podia falar", que tinha ficado "mudo" e que só era capaz de comunicar por "sinais" a partir desse dia. Talvez também ela terá compreendido que Zacarias "tinha tido uma visão no santuário" que mudaria, não só a sua vida, mas a de toda a História. Talvez também ela terá estado presente no Templo quando, 9 meses mais tarde, a boca de Zacarias "abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus" (Lc 1,64), após o nascimento do seu filho João. Quem sabe?
Na verdade, Lucas diz-nos realmente que "por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles factos" (Lc 1,65) e que "quantos os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser este menino?»" (Lc 1,66). Assim, talvez também Ana terá meditado no seu coração, à semelhança da Virgem Maria, acerca do profundo significado e das implicações de tais acontecimentos extraordinários, o que a terá colocado ainda mais atenta e vigilante na leitura e interpretação dos sinais que o Senhor dava ao seu povo amado. Afinal, não tinha cantado Zacarias que João seria "chamado profeta do Altíssimo, porque [iria] à Sua frente a preparar os Seus caminhos" (Lc 1,76) e que "o Senhor, Deus de Israel, [tinha] visitado e redimido o Seu povo, [dando-nos] um Salvador poderoso da casa de David, Seu servo"? (Lc 1,68-29)
Será que o tempo favorável tinha chegado? Será que o acontecimento mais desejado da história do povo hebreu, a vinda do Messias, o resgate de Israel, estava finalmente a acontecer, ali mesmo, à frente dos seus olhos?
Por esta altura, já era difícil esconder o sorriso aberto e inexplicável na bela face de Ana, que parecia tornar-se ainda mais bela e jovem a cada novo dia de esperança renovada. Já nem lhe passava pela cabeça abandonar, por um segundo que seja, o Templo de Jerusalém, para ir dormir e descansar na sua casa. O Senhor estava perto, era preciso orar e preparar-se para O receber.
E quanto não terá exultado de alegria, meses mais tarde, ao ouvir o testemunho dos pastores de Belém que "começaram a divulgar o que [os Anjos] lhes tinham dito a respeito daquele Menino", fazendo com que "todos os que os ouviam se admirassem"? (Lc 2,17-18). Oh sim, Ana terá certamente vivido na mais pura alegria durante os 40 dias que ainda teve de esperar até conhecer o desejado Redentor de Israel.
Assim, quando José e Maria vieram ao Templo para oferecerem o Menino ao Senhor, ela ali estava, preparada e à espera, radiante e rejubilante, junto de Simeão.
"[Ana] aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do Menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém". (Lc 2,38)
Sempre achei muito engraçado que Lucas nos dissesse que, após o seu encontro com o Senhor Encarnado, Ana "pôs-se ... a falar do Menino a todos". Ora aí está Deus a fazer um bom uso duma característica tendencialmente feminina: ir contar a toda a gente algo que aconteceu! Faz-me lembrar do dia da Ressurreição do Senhor, em que Maria Madalena e as outras mulheres "cheias de temor e de grande alegria, correram a dar a notícia aos discípulos" (Mt 28, 8b), dando assim um santo uso a esta capacidade feminina de propagar e partilhar um acontecimento ...
Esta semana começa a Quaresma, o tempo por excelência para nos preparar-mos para receber o amor do Senhor, que é tão grande e imenso que precisa de espaço - nas nossas vidas mas especialmente dentro de nós. Aprendamos o que é viver em clima de preparação constante e vigilantes. Deixemo-nos inspirar no exemplo da profetisa Ana, sejamos activos na nossa espera e tenhamos os olhos e o coração abertos às palavras e aos sinais do Senhor. Desejo-vos uma Santa e abençoada Quaresma!
Esperar parece uma autêntica perda de tempo. Porquê esperar? Para quê? Não seria melhor se tudo acontecesse - já?! De que serve esperar?... Ai, o desejo impaciente de passar o mais rapidamente possível da situação em que me encontro para aquela que eu queria tanto estar ou ter ou fazer ou ser - e já!
Mas, se pensarmos bem, todos estamos permanentemente à espera. É raro, muito raro na verdade, não estarmos numa situação de espera - seja por algo ou por alguém. Às vezes, esperamos por coisas pequeninas, como esperar que nos respondam a um email, ficar preso no trânsito e nunca mais chegarmos onde queremos, estar na fila das compras (seja para entrar na loja ou para pagar), ou então esperar que chegue a hora de sair do trabalho ... Outras vezes, esperamos ansiosamente por coisas grandes e importantes, como saber que entrámos na faculdade dos nossos sonhos, discernir uma vocação, poder tomar o primeiro passo numa decisão importante ou esperar a resposta do outro ...
Há poucos dias atrás, iniciei um novo ano de vida, o meu 27º ano. Se Deus quiser, e por uma graça absolutamente imerecida, será durante o decorrer deste ano que poderei declarar o meu "sim", total e eterno, à vocação de amor a que o Senhor me chama. Apesar dos longos anos de discernimento vocacional, esperar pela vontade e pelo tempo de Deus continua a ser uma batalha perene para mim. Oh, como gostava que esse dia glorioso, em que poderei oferecer toda a minha vida e todo o meu ser, chegasse depressa - ou, melhor ainda, fosse já amanhã!
Mas, se Deus nos coloca, tantas vezes, em situações de espera, não seria melhor aprender a esperar e a esperar santamente?
A Bíblia está cheia de histórias de pessoas à espera. Às vezes, estão à espera de certas situações, outras vezes à espera umas das outras mas, principalmente, encontramos pessoas à espera de Deus.
Tomemos como exemplo as primeiras páginas dos Evangelhos. Zacarias e Isabel estão há anos à espera de ter um filho. Maria também espera o nascimento dum Filho, mas um que nunca pensara conceber. José está permanentemente à espera que Deus lhe diga o que deve fazer. Simeão e Ana passaram toda a sua vida à espera do dia em que veriam com os próprios olhos o Messias prometido.
Todo o Evangelho parece iniciar-se com pessoas à espera. O que inclui o próprio Deus - aliás, ninguém passou mais tempo à espera do que Ele que, desde a queda de Adão e Eva no Jardim do Éden, aguardava ardentemente o momento perfeito para revelar-Se e demonstrar todo o Seu amor e misericórdia por cada homem e mulher.
Mas, tanto Zacarias como Isabel, Maria e José, Simeão e Ana, souberam esperar santamente porque a sua espera estava fundada numa promessa e numa esperança firmes.
«Não temas, Zacarias: a tua súplica foi atendida. Isabel, tua esposa, vai dar-te um filho e tu vais chamar-lhe João.» (Lc 1,13)
«Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um Filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo» (Lc 1,30-31)
«José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» (Mt 1,20-21)
Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. (Lc 2,25-26)
Zacarias, Isabel e Maria a admirarem João, o filho prometido pelo anjo do Senhor - Imagem retirada daqui
É a fé nas promessas do Senhor que permite a cada uma destas pessoas saber esperar santamente. Pela fé, acreditam desde já que possuirão, um dia, aquilo que o próprio Senhor lhes prometeu. Elas escolheram aceitar receber e aceitar acreditar nas promessas do Senhor. E, assim, aquilo que, a nós, nos parece futuro, para elas tornam-se, desde já, presente e real; torna-se, desde já, obtido.
É como se recebessem uma semente da parte do Senhor, que crescerá e brotará na terra fértil da sua fé. São capazes de sorrir a cada novo amanhã (como é dito da mulher forte em Provérbios 31) porque sabem que, neste preciso momento em que vivem, a promessa de Deus está a ganhar forma, está a crescer, está a realizar-se. O segredo de esperar santamente é, assim, a fé de que Deus já plantou a semente, que algo já começou, de que algo está já a ocorrer.
Esse algo está, quase sempre, escondido aos nossos olhos, sim; mas nem por isso deixa de acontecer ou ser real, porque, como nos disse Jesus: "O Meu Pai está sempre a trabalhar" (Jo 5,17)
Olhemos uma vez mais para os Evangelhos, mas agora para as últimas páginas, para a paixão e ressurreição de Jesus. Uma das palavras mais usadas para descrever o que aconteceu a Jesus é "ser entregue".
Estando reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» (Mt 22,22-23)
Então, Judas Iscariotes, um dos Doze, foi ter com os sumos sacerdotes para lhes entregar Jesus. Eles ouviram-no com satisfação e prometeram dar-lhe dinheiro. E Judas espreitava ocasião favorável para O entregar. (Mc 14,10-11)
Quando chegou a hora, pôs-Se à mesa e os Apóstolos com Ele. Tomou, então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o e distribuiu-o por eles, dizendo: «Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós; fazei isto em memória de Mim.» (Lc 22,19)
Estas mesmas palavras serão depois usada por São Paulo, na sua carta aos Romanos, ao declarar que "[Deus] nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O por todos nós" (Rom 8,32)
É impressionante reparar como, logo a seguir a ser entregue às autoridades de Jerusalém, Jesus deixa de ser Aquele que faz e submete-se humildemente a ser Aquele a quem as coisas Lhe são feitas ... Jesus é preso por outros; é levado até ao Sumo-Sacerdote; depois é levado até Pilatos; é coroado com espinhos e, por fim, preso na cruz. Tudo Lhe é feito, sem que Ele tenha qualquer controlo.
Quando Jesus finalmente diz: "Tudo está consumado" (Jo 19,30), Ele não quer dizer "Eu fiz todas as coisas que queria fazer", mas sim "Eu permiti que Me fosse feito tudo o que era preciso, de modo a cumprir plenamente a Minha vocação." Na verdade, Jesus não cumpriu a Sua missão apenas de uma forma activa, ou seja, curando os doentes, fazendo milagres, anunciando o Reino de Deus; mas também de uma forma passiva (muitíssimo mais difícil de aceitar que aconteça, na minha opinião!) durante a sua longa Paixão, sabendo esperar santamente a realização do plano de Deus Pai.
Assim, de certa forma, a agonia de Jesus não será meramente a agonia da morte e do sofrimento, mas também a agonia de ter de esperar. É a agonia dum Deus que depende de nós para poder demonstrar a Sua divina presença entre nós; é a agonia dum Deus que, duma forma absolutamente misteriosa, permite-nos quase que decidir como Deus será Deus...
Descubro, assim, uma nova perspectiva de esperar - não apenas em esperar por Deus, mas também de participar na espera do próprio Deus ...
Sempre me maravilhou a forma como Deus consegue ensinar-nos grandes lições a partir de coisas pequenas do dia a dia...
Já sei muito bem que a luta contra a impaciência e o combate pela virtude da paciência e da temperança acompanhar-me-ão todos os dias da minha vida aqui na terra. Um dia destes, estava eu a rezar o Terço, como o faço diariamente, e dei por mim a reparar na forma como passava as contas do rosário. Pela primeira vez, apercebi-me que, ainda que eu estivesse a rezar as palavras do meio dum Pai Nosso ou Avé Maria, os meus dedos se apressavam a alcançar o início da conta seguinte, uma e outra e outra vez... Caramba Marisa, até aqui se expressa a tua impaciência!
A impaciência costuma ser facilmente visível em pequenos comportamentos do nosso dia a dia, em casa, no trabalho, no trânsito, nas relações com os outros, na comunicação - e, pelos vistos, até na nossa forma de rezar! Mas esses comportamentos são, na verdade, expressões duma realidade mais profunda dentro de nós. Não sabemos esperar pelos outros, nem pelo próprio Deus. Não sabemos esperar pelo tempo ou os caminhos do Senhor. Achamos que sabemos mais e melhor, que sabemos fazer tudo da forma mais rápida e eficaz. Temos pressa, nem sei bem de quê nem para quê, de passar à tarefa seguinte, à actividade seguinte, à etapa seguinte. Somos descontentes e ingratos pelo momento presente, que os outros e o Senhor nos oferecem, e que desejam viver connosco. E, dou por mim a pensar, se reflectirmos com atenção, a impaciência, muitas vezes, mais não é do que soberba disfarçada...
Assim, desde esse dia, fiz um firme propósito (por mais tolo que pareça) de apenas mexer os meus dedos para alcançar a conta seguinte apenas quando terminasse, realmente, a oração do Pai Nosso, da Avé Maria, do Glória ... Não foi um hábito fácil de adquirir, e de vez enquanto ainda caio no meu comportamento anterior mas ...
É meramente um sinal, que expressa um propósito mais profundo e importante: a luta constante contra a minha soberba e impaciência, a minha rebeldia e pecado; a humildade de saber esperar pelo tempo e os caminhos de Deus, sempre mais perfeitos e maravilhosos do que tudo o que eu possa imaginar; o permanecer em paz e quietude de espírito, sabendo que Deus tem tudo no Seu divino controlo, que não existe nada que aconteça sem a Sua vontade ou consentimento; o aceitar que "para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu" (Ecl 3,1) ou que, nas palavras de Jesus
«Não se vendem dois passarinhos por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! Não temais, pois valeis mais do que todos os passarinhos» (Mt 10, 29-31)
Sim, o tempo de Deus é perfeito, mesmo que pareça um enorme mistério, mesmo que eu, agora, não o compreenda ...
Deus nunca se adianta nem se precipita, nem nunca faz algo atrasado ou demasiado tarde.
O tempo de Deus é perfeito.
(Aproveito para vos dar a conhecer outra das minhas cantoras católicas favoritas, a Sarah Kroger)
Your time - Sarah Kroger
Your time is not my time, it's a mystery to me Patience, not my virtue but I'm trying to let it be You who wrote the hours, made these moments in my days Know it's getting harder for my heart to trust His way
Lord, Your time is perfect Lord, so perfect is Your time Lord, Your time is perfect So above and beyond mine
Like a newborn bird just waiting for the chance to fly Still without its wings and all it ever sees is sky Father, I am waiting for the day when I can go Your ways are a ballad so I'll wait 'til You say so
Lord, Your time is perfect Lord, so perfect is Your time Lord, Your time is perfect So above and beyond mine
Your time, Your time Your time, ooh-ooooh, oo-ooh Your time is not my time but I'm trying to let it be
O Teu tempo - Sarah Kroger (tradução livre minha)
O Teu tempo não é o meu tempo, é um mistério para mim A paciência não é uma virtude minha, mas estou a tentar que seja Tu escreveste as horas, criaste estes momentos dos meus dias Sabe que está a ficar cada vez mais difícil para o meu coração confiar no Teu caminho
Senhor, o Teu tempo é perfeito Senhor, tão perfeito é o Teu tempo Senhor, o Teu tempo é perfeito Tão acima e além do meu
Como um passarinho pequeno que aguarda pela oportunidade de poder voar Ainda sem as suas asas e tudo o que vê é o céu Pai, estou à espera do dia em que eu possa ir Os teus caminhos são como uma balada, então eu esperarei até Tu me dizeres para ir
Senhor, o Teu tempo é perfeito Senhor, tão perfeito é o Teu tempo Senhor, o Teu tempo é perfeito Tão acima e além do meu
O Teu tempo, o Teu tempo O Teu tempo, ooh-ooooh, oo-ooh O Teu tempo não é o meu tempo, mas eu estou a tentar que seja
Eu não sou a primeira nem a única pessoa a debater-me com a diferençaentre o tempo de Deus e o "meu" tempo; entre a velocidade da manifestação da vontade e das acções do Senhor e a evolução que eu gostava tanto que estivesse a acontecer. Não, nem eu sou a primeira ou a única, nem nenhum de vocês o é.
Esta dificuldade, este desafio, está visivelmente presente desde o princípio da nossa história, desde o princípio da história do povo de Deus.
Peguemos no livro do Êxodo, e comecemos a ler a partir do versículo 22 do capítulo 15, em diante. Os israelitas caminham desde o Egipto, pelo deserto, em direcção à Terra Prometida ... e demoraram 40 anos a lá chegar... 40 anos!
Contudo, tal como muitos saberão, se virmos num mapa a distância entre o Egipto e a Terra Prometida .... parece absolutamente absurdo que o povo de Deus tenha demorado tanto tempo até lá chegar e que tenha andado durante tanto tempo às "voltinhas" pelo deserto, seguindo aquela que seria a vontade de Deus....
Havia claramente um caminho directo, mais curto, mais fácil. Mas o Senhor não os levou por aí.
... Oh, se a minha vida não parece por vezes esta viagem interminável do povo de Deus, às voltas e voltinhas pelo deserto adentro, sem qualquer deslumbre da Terra Prometida ...
Mas porque o quiseste assim Senhor? Porquê tanto tempo até lá chegar? Porquê tão difícil? Não havia outra maneira?
Não, não havia. Sim, foi mesmopreciso assim tantotempo.
Sim, era mesmonecessário ser daquela maneira.
Porque só assim foi possível transformar o coração de pedra daquele povo num coração de carne. Só assim foi possível crescerem em virtudes - fé, esperança, amor ... Só assim puderam crescer todos em paciência, em fortaleza, em mansidão, em entrega plena e total nas mãos de Deus Pai Criador ...
Porque só assim a glória do Senhor pôde ser manifestada e visível para todos.
Os pequenos comentários que acompanham a minha Bíblia dizem-me que, no capítulo 14 do Livro do Êxodo, foi a primeira vez em que, nas Sagradas Escrituras, se falou na glória de Deus.
O povo de Deus está entre a espada e a parede - entre o Mar Vermelho e os soldados do Faraó - e não há por onde fugir. E eis que a glória de Deus se manifesta pela primeira vez - através da fé de Moisés, as águas do Mar Vermelho separam-se momentaneamente, o que era impossível acontece e torna-se verdadeiro, e o povo de Deus avança em segurança até ao outro lado da margem. Eis a primeira vez que os israelitas se apercebem da imensa glória de Deus .... (claro que já deveriam ter-se apercebido antes, nas incontáveis bênçãos e milagres que o Senhor tinha feito ao longo de tantas gerações anteriores - mas os israelitas, tal como nós próprios, eram um povo de "pouca fé" e de "compreensão lenta" - como Jesus nos disse tantas e tantas vezes....)
Sim, a glória de Deus é bem visível na vitória das batalhas, mas é precisamente no meio das batalhas mais difíceis e ferozes que a Sua glória resplandece, incomparavelmente.
O mesmo acontece, hoje, nas nossas vidas - é no meio das nossas lutas e batalhas que a glória de Deus pode (e deve) ser mais visível. Permita-lo-ei eu?
Na minha vida, ao atravessar este deserto de espera, estarei eu a permitir que a glória de Deus seja ainda mais visível e experienciada?
Neste momento da minha vida, em que estou numa fase do caminho que eu não desejaria estar, mas que Deus deseja que eu esteja - estarei eu a permitir que a minha vida O glorique?
Que aponte na Sua direção (oh, hei-Lo, o Autor e Sustento da minha vida - venham e conheçam-n'O)?
Estarei eu a testemunhar todas as coisas boas e maravilhosas que Ele está a fazer na minha vida, mesmo neste pleno deserto?
Continuem a ler o livro do Êxodo, e deparar-se-ão com inúmeras batalhas impossíveis que o Senhor ganhou e venceu pelos israelitas, e assim a Sua glória pôde manifestar-se duma forma incomparável nas Suas vidas.
Eis então a resposta - conseguir olhar para a minha vida, para esta espera no deserto, através desta perspectiva - em vez de me focar em tudo aquilo que eu desejava e não tenho. Se eu conseguir aperceber-me de todas as coisas boas que Deus está a realizar, mesmo ao longo destes anos de deserto, isso fará então a minha vida mais alegre e mais grata.
Se a vossa vida parecer que está, também, parada entre a espada e a parede, entre as águas profundas do Mar Vermelho (que não parece nada que se irá abrir para nos dar passagem) e os assustadores soldados do Faraó que continuam a dirigir-se na vossa direcção, lembrem-se, vocês não estão sozinhos. Não oiçam a voz sedutora do Príncipe das mentiras.
Lembremo-nos que temos um Pai que nos ama infinitamente e que tem guardadas para nós tantas coisas maravilhosas. Pensemos em tudo aquilo que Deus está a fazer, neste momento, nas nossas vidas - e nãopensemos em tudo o que desejaríamos que Ele estivesse a fazer. Escolham focar-se nas inúmeras bênçãos e graças que Ele nos tem oferecido nas nossas vidas.
Sejamos gratos. Recuperem a vossa fé na bondade do Senhor, nosso Pai.
Tudo o resto, coloquemos nas Suas mãos; ofereçamos-Lhe - tudo - e Ele cuidará - de tudo.
Sim, estamos realmente, neste preciso momento das nossas vidas, no exacto lugar e situação que Deus deseja que nós estejamos; na exacta fase do caminho que fará de nós santos ... os santos que só cada um de nós poderá ser.
Nos últimos anos, tenho vivido um intenso processo de discernimento vocacional que, pela transbordante e imprescindível graça de Deus, parece que chegou finalmente a um único caminho. Assim, neste último ano, tenho vivido com a certeza da minha vocação, após anos e anos de oração, aconselhamento e exploração das diversas vocações que a Igreja nos oferece. Mas o tempo passa e passa e passa e ... nada acontece.
Porque é que esta minha vocação não se concretiza, finalmente, Senhor?
Senhor, se me chamas tão fortemente por este caminho, por esta vocação, porque é que nada acontece, porque é que ela não se realiza?
Se Tu colocaste este desejo tão grande e profundo no meu coração, porque não o cumpres? Porque é que não o completas?
À minha volta, vejo diariamente as vocações das outras pessoas a serem cumpridas; vejo-as a serem chamadas e a dizerem o seu "sim", visível e definitivo, à sua vocação e à vontade de Deus nas suas vidas. Eu também o queria fazer. Eu também o desejava fazer....
E facilmente (oh tão facilmente!...) caio na tentação de pensar: Senhor, acaso esqueceste-Te de mim?
Oh, a cruz de não vivermos (ainda) a nossa vocação em pleno ...
Oh, a cruz de vivermos uma vida que desejaríamos tanto que fosse diferente.
O Tentador, contudo, não perde uma única oportunidade. Mal abrimos esta pequena fresta no nosso coração - Senhor, acaso esqueceste-Te de mim? - e ele fará de tudo para que continuemos a cair, para que nos afastemos do amor de Deus. Quando mal damos por isso, já caímos na tentação de duvidar do imenso amor de Deus por nós - Se me chamas a esta vocação e ela não se realiza, é porque não me amas Senhor ...
O Maligno é o príncipe da sedução e ele, mais que ninguém, sabe exactamente como nos seduzir com as suas mentiras - Porque me mostras, Senhor, tantos bons exemplos de vocações a serem cumpridas e realizadas, e a minha não? Porque me mostras tanto ouro na vida dos outros, e na minha nem sequer um pouco de ferro parece existir? Porque é que não permites que aconteça? Porque é que o impedes de acontecer?
Oh, poderá Deus, alguma vez, impedir que se cumpra aquilo que Ele próprio mais deseja, mais ainda que qualquer um de nós - o cumprimento pleno da nossa vocação, através da qual nos santificaremos e assim viveremos para todo o sempre em profunda comunhão de amor com Ele ...
Oh, que pecado tão grande o meu!
Não, não é assim que deve ser a minha postura perante esta situação. Não, não é assim que eu devo responder por este caminho que o Senhor me leva, que eu não compreendo e que eu não concordo que seja mesmo por aqui ... (Não podia ser mais rápido, Senhor? Tem mesmo de demorar assim tanto tempo a acontecer?)
Noutros dias (numa nova tentativa do Príncipe da mentira e da discórdia), dou por mim a escolher evitar a todo o custo pensar sequer na minha vocação, não permitindo que este meu desejo profundo se manifeste no meu dia a dia. Escolho ignorá-lo, escolho escondê-lo, escolho evitá-lo, chegando até a negá-lo, chegando até a fingir que não o conheço e que ele não existe ...
Oh, esta é um tipo de resposta muito fácil, muito confortável, que muitos escolhem.
Mas não, esta também não é a atitude correta...
Então, o que devo fazer?
Aceita a Cruz.Aceita essa luta, diária. Aceita esses desejos, tão profundos, tão entranhados no teu coração; aceita-os, recebe-os, acolhe-os ... E aceita o facto de eles ainda não se terem cumpridos, de ainda não terem sido plenamente satisfeitos ou realizados.
Aceita esta tua necessidade, esta tua incompletude, aceita esta falta que tens - e permite que seja o próprio Deus a preencher e completar esse espaço (aparentemente) vazio.
Dói o peito? Chama o Senhor e pede-Lhe que te cure e alivie.
Não aguentas mais? Pede a Deus pela fortaleza que não possuis.
Não sentes mais nada do que um enorme vazio? Oferece-o, vá, oferece-o ao Senhor, se é tudo o que pensas possuir....
Lembra-te, Marisa, das lições que Deus tão carinhosamente já te ensinou nestes anos. Se sentes tão fortemente este desejo, se hoje é um daqueles dias em que a não realização da tua vocação te custa tanto, se dói tanto que chega a arder no peito - então sabes (lembra-te!) que Deus está neste preciso momento a tentar dizer-te:Está na altura de passarmos algum tempo juntos, tu e Eu. Não, esta sede insaciável não é pela tua vocação; esta sede só Eu próprio posso saciar. Vem Comigo, então beberás e comerás e ficarás saciada ...
Sim, é uma cruz não vivermos (ainda) a nossa vocação em pleno ... - é libertador poder reconhecer esta verdade....
Sim, é uma luta e uma cruz, diária - a liberdade que surge ao admiti-lo....
É um caminho, cheio de bênçãos e graças mas também de muitas dores e lágrimas.
Sim, é uma luta dura e contínua, esta de viver com um desejo tão grande e tão forte no nosso coração que ainda não foi satisfeito.
Sim, é uma cruz que eu tenho de aceitar levar comigo todos os dias, em todos os instantes da minha vida.
Se é este o cálice que desejas que eu beba, Senhor, seja feita a Tua vontade - eu continuarei a beber diariamente deste cálice, eu escolho continuar a beber dele ...
Mas sem dúvidas que há dias mais fáceis que outros. Há dias em que este cálice não parece ser tão amargo e insuportável como parece noutros dias...
Para que serve, então, este tempo de espera? Este tempo em que nada parece acontecer?
Para poderes crescer em virtudes. Para poderes aprender e treinar todas aquelas virtudes que precisarás, diariamente, a partir do dia em que o Senhor te chamar a viver (concretamente) a tua vocação - fortaleza, mansidão, paciência, temperança, auto-doação total e voluntária, saber sofrer com alegria, saber oferecer todos os nossos sacrifícios por mais pequenos que aparentes ser, aprender a dizer "sim"s e "não"s pequeninos (mas ainda assim custosos e dolorosos) - para quando chegar o dia, em que o Senhor te perguntar: aceitas - completa e eternamente -estecaminho? - então poderes dizer um verdadeiro e autêntico "sim".
Então eu escolho dizer-Te que sim, meu Deus e meu Senhor, neste preciso instante, àquela pequena coisa que me queres oferecer. Eu escolho acolher a Tua vontade, eu escolho acolher-Te. Eu escolho fazer a Tua vontade, neste momento. E daqui por uns instantes, meros segundos ou minutos, eu escolherei, novamente, dizer-te que sim, e depois e depois e depois ...
E se, pela graça de Deus, conseguirmos permanecer nesta atitude de acolhimento, de aceitação, com o coração aberto e disponível a ouvir a palavra e os desejos d'Aquele que mais nos ama, então conseguiremos compreender que viver este período de espera é exactamente o melhor plano de vida que Deus tem para nós. É a nossa melhor oportunidade para vivermos e crescermos em santidade.
A santidade é, afinal, a nossa vocação universal, aquela a que todos somos chamados. E estar, neste momento, neste período de espera, faz parte da minha vocação à santidade. Esta espera servirá para me tornar mais santa. Esta espera é o melhor caminho que a minha vida poderia assumir para me poder tornar santa.
Passar por este período de espera fará de mim mais santa, duma forma mais rápida e eficaz, do que se já estivesse a viver em pleno a minha vocação. Deus assim o promete.
Sim, eu estou, neste preciso momento da minha vida, no exacto lugar e situação que Deus deseja que eu esteja; na exacta fase do caminho que fará de mim santa ... a santa que só eu posso ser.