Abraão: o desejo de ter um filho e a caminhada de fé de Sara
O Senhor disse a Abrão: «Ergue os teus olhos e, do sítio em que estás, contempla o norte, o sul, o oriente e o ocidente. Toda a terra que estás a ver, dar-ta-ei, a ti e aos teus descendentes, para sempre. Farei que a tua descendência seja numerosa como o pó da terra, de modo que só se alguém puder contar o pó da terra é que a tua posteridade poderá ser contada. Levanta-te, percorre esta terra em todas as direcções, porque Eu ta darei.» (Gn 13, 14-17)
À semelhança de Moisés, também Abrão não chegará a ver cumprida a promessa da posse das terras de Canaã Ele testemunhará apenas o início do cumprimento da segunda promessa que o Senhor lhe faz: de que teria uma descendência e que esta seria tão numerosa como os grãos de pó da terra ou como as incontáveis estrelas do céu numa noite de deserto...
É absolutamente claro, em todas as passagens da história de Abrão, que o seu maior desejo era ser pai. Mas, os anos passavam, Abrão e Sarai envelheciam e nenhum filho vinha. Abrão tinha 75 anos quando o Senhor lhe prometeu, pela primeira vez, uma descendência. Sarai, sua esposa, seria mais nova mas, ainda assim, já há muito que tinha passado a idade da fertilidade. É verdade que Deus tinha demonstrado o Seu poder de diversas formas e em sucessivos acontecimentos extraordinários, mas até um Deus Todo Poderoso tem limites à Sua acção!
Não é?
Imagem da autoria de George Hawke, adaptada por mim
Por pensar assim, as Sagradas Escrituras vão relatar-nos as várias formas que Abrão usará para tentar "facilitar" o cumprimento desta promessa de Deus. Primeiro, trará consigo Lot, seu sobrinho, desde a terra de Ur dos Caldeus até à Terra Prometida, pensando que seria ele, se o amasse e o tratasse como seu próprio filho, o herdeiro do seu nome. Mas o Senhor ensinar-lhe-á que é necessário aprender a desapegar-se da sua vida passada, para crescer em santidade.
Mais tarde na sua vida, Abrão pensará que irá ser Eliezer, o seu escravo tornado amigo do peito, que vira nascer e crescer com tanta alegria na sua casa, a continuar a descendência da sua família.
O Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo; a tua recompensa será muito grande.»
Abrão respondeu: «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer, de Damasco.» E acrescentou: «Não me concedeste descendência, e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.»
Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» (Gn 15, 1-4)
Mas um escravo não é bom o suficiente. Mesmo que um escravo representasse, como na altura de Abrão, uma posse total sobre outra pessoa, alguém que nos pertence inteiramente e que nos é totalmente fiel e dedicado; mesmo essa totalidade de posse não se compara com uma relação filial. Mal podia imaginar Abrão que, já aqui, estava expresso o profundo e radical desejo de Deus de nos tornar Seus amados filhos, após sermos redimidos e salvos pelo sangue derramado de Jesus.
Com o tempo, Abrão compreendeu que, alguém que saia das nossas próprias entranhas e que tenha o nosso próprio sangue, que possamos amar como filho e que nos ame como pai, é absolutamente diferente de alguém que nos sirva apenas por temor e dever, por mais dedicado que ele seja.
"Abrão confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito" (Gn 15,6)
Mas os anos passavam e continuavam a passar e... nada! A fé de Abrão, por esta altura, podia já ser grande e madura. Mas a de Sarai, sua mulher, ainda tinha muito que crescer. Sarai deixa-se vencer pelo desespero e pela dúvida destruidora de não se achar suficiente para Deus nem para o seu marido. Sarai deixa-se definir pela sua aparente esterilidade, o seu coração endurece-se e torna-se amargo. Assim, já que parecia que o Senhor nada fazia, ela própria faria as coisas acontecerem, com as suas próprias mãos!
Sarai, mulher de Abrão, que não lhe dera filhos, tinha uma escrava egípcia, chamada Agar. Sarai disse a Abrão: «Visto que o Senhor me tornou uma estéril, peço-te que vás ter com a minha escrava. Talvez, por ela, eu consiga ter filhos.» Abrão aceitou a proposta de Sarai. Ele abeirou-se de Agar e ela concebeu. (Gn 16, 1-2.4)
Quanta dor, quanta infelicidade, trará este acto à vida de Sarai ... Oh, como ela se vai arrepender! Quantas vezes me revejo a mim própria em Sarai, com a minha mania de querer fazer com que as coisas aconteçam pelas minhas próprias mãos, visto que o Senhor aparentemente se atrasa e eu já não consigo esperar mais ...
Ismael é o primeiro filho de sangue de Abrão, que nasce 11 anos depois da primeira promessa de descendência do Senhor a Abrão. É quase como se as Escrituras nos dissessem: "Abrão já estava preparado, a sua Fé tinha crescido e amadurecido, e estava pronto para ser pai .... mas Sarai ainda não". E, num Matrimónio, sabemos que já não existem dois, mas um só.
Na verdade, passarão mais 13 anos, até ao dia em que três homens enviados por Deus passem à porta da tenda de Abraão e anunciem a chegada do seu filho primogénito. Serão precisos todos esses anos, para que Sarai conheça o Senhor e cresça em intimidade com Ele; que se deixe amar e satisfazer plenamente por Ele; que permita que seja Ele a moldá-la, com todo o Seu amor e misericórdia, até se tornar verdadeiramente numa mãe. Serão precisos esses 13 anos para que a fé de Sarai alcançe as alturas da fé do seu esposo.
Então, sim, estão ambos prontos e transformados: Abrão torna-se Abraão - que significa pai de muitos - e Sarai torna-se Sara - mãe de muitos.
Abrão tinha noventa e nove anos, quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: «Eu sou o Deus supremo. Anda na Minha presença e sê perfeito. Quero fazer uma aliança contigo e multiplicarei a tua descendência até ao infinito. Já não te chamarás Abrão, mas sim Abraão, porque Eu farei de ti o pai de inúmeros povos.» E Deus disse a Abraão: «Não chamarás mais à tua mulher, Sarai, mas o seu nome será Sara. Abençoá-la-ei e dar-te-ei um filho, por meio dela. Será por mim abençoada, e será mãe de nações, e dela sairão reis.» (Gn 17, 1-2.5.15-16)
Isaac nascerá exactamente quando Abraão completar 100 anos. Fazendo as contas, Isaac só nascerá 25 anos depois da primeira promessa de descendência que Deus fez a Abraão, ainda nas terras de Ur dos Caldeus. Depois, Isaac terá já 40 anos quando finalmente casar com Rebeca, que só engravidará 20 anos depois, com os gémeos Esaú e Jacob.
Assim, Abraão terá de esperar 85 anos, desde a primeira promessa do Senhor, para ver nascer os seus netos. Quando Abraão finalmente morrer, aos 175 anos de vida segundo a Bíblia, ele terá apenas um filho, já com 75 anos, e dois netos com 15 anos de vida - um começo (aparentemente) pouco favorável para o cumprimento duma descendência numerosa e duma grande nação sucessora ....
Mas o próprio Senhor nos responde:
Haverá alguma coisa que seja impossível para o Senhor? (Gn 18, 14)