Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Depois de cantarem os salmos, saíram para o Monte das Oliveiras. (Mt 26,30)
Acompanhemos Jesus no início da Sua Paixão. Sempre achei curioso que esta fosse a única ocasião em que os Evangelhos nos dizem que Jesus cantou. Ele sabia de antemão tudo o que ía acontecer e, ainda assim, cantou. Junto dos discípulos por Ele amados, Ele cantou as maravilhas do Deus que salva. Louvou e adorou o Senhor, Deus de Israel, cantando-Lhe, agradecido, todos os Seus feitos maravilhosos até aquela altura - e, mais ainda, todas as Suas Obras a partir daquele momento, para sempre memorável.
Jesus saiu com os discípulos para o outro lado da torrente do Cédron, onde havia um horto, e ali entrou com os Seus discípulos. Judas, aquele que O ia entregar, conhecia bem o sítio, porque Jesus Se reunia ali frequentemente com os discípulos. (Jo 18, 1-2)
Estamos em plena noite, após a Última Ceia no Cenáculo, em que Jesus Se ofereceu como verdadeiro Alimento, o Pão Vivo descido do Céu, que nos promete dar acesso à Vida Eterna do amor de Deus. É de noite, mas o caminho é conhecido, tanto por Jesus, como pelos discípulos. Já o fizeram antes várias vezes. Sabem que têm primeiro que descer, até passarem perto da casa do Sumo Sacerdote Caifás, e depois começar a subir. Os discípulos não podiam adivinhar, mas Jesus sabia perfeitamente que, horas mais tarde, no início do novo dia, seria trazido pelos soldados até àquela casa, algemado e maltratado pelo caminho, para aí ser julgado e condenado pelos judeus.
Mas, por agora, é tempo de subir a rua e passar a grande ponte que, naquela altura, ligava a zona principal da cidade de Jerusalém até ao Monte das Oliveiras, na direção de Betânia, onde era a casa dos irmãos Lázaro, Maria e Marta, a 3km de distância.
O local do Getsemani, ou o Monte das Oliveiras, devia o seu nome ao extenso olival que ali tinha sido plantado, séculos antes. Era, assim, um jardim de oliveiras - o que, claro, me faz lembrar do jardim do Éden. Jesus é o novo e eterno Adão. Em vez do velho Adão, que se deixou levar pelo pecado de rebelia contra a vontade expressa de Deus - comendo do fruto proibido que lhe trouxe a morte e, através dele, a toda a humanidade - Jesus, o novo Adão, vencerá o pecado, escolhendo fazer, com toda a liberdade que só o verdadeiro amor pode exercer, a Divina vontade do Senhor - e assim redimir, a partir daquele momento, todo o género humano - passado, presente e futuro.
No centro desse jardim das oliveiras encontrava-se uma prensa que permitia fazer o azeite a partir das azeitonas, à semelhança da árvore do conhecimento do bem e do mal localizada no centro do jardim do Éden. Na altura certa do ano, depois de terem sido arrancadas dos ramos das árvores, as azeitonas eram lançadas nessa prensa, para primeiro serem moídas e trituradas e depois prensadas. Sobre elas era colocado um enorme peso, que ía ficando cada vez mais e mais forte, apertado, constritivo. Até que, por fim, desse processo asfixiante, acontecia um autêntico "milagre" do "martírio" das pobres azeitonas: um líquido dourado, de aroma intenso e textura suave, o azeite. Este azeite, além de ser usado para cozinhar e assim alimentar todo o povo, também era usado na cicatrização das feridas, na iluminação das casas se colocado em candeias, ou usado para purificar, abençoar e ungir tanto coisas como pessoas ao serviço do Senhor no Templo de Jerusalém.
Podia o Senhor ter usado um local melhor para nos ensinar o que estava a acontecer a Jesus, naquele jardim de agonia?
Jesus chegou com os Seus discípulos a um lugar chamado Getsémani e disse-lhes: «Sentai-vos aqui, enquanto Eu vou além orar.» E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes, então: «A Minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai Comigo.» (Mt 26, 36-38)
A oração de Jesus no Monte das Oliveiras é de tal importância e teve tão grande impacto nas primeiras comunidades cristãs, que dela temos, até hoje, 5 versões, uma por cada Evangelista e ainda outra pelo autor da Carta aos Hebreus.
Diz-nos o papa Bento XVI, acerca da angústia que assalta Jesus neste momento:
"É a perturbação particular d'Aquele que é a própria Vida diante do abismo de todo o poder da destruição, do mal, daquilo que se opõe a Deus e que agora Lhe cai directamente em cima, que Ele de modo imediato deve agora tomar sobre Si, aliás deve acolher dentro de Si até ao ponto de ser pessoalmente «feito pecado» (cf 2 Cor 5,21).
Precisamente porque é o Filho, vê com extrema clareza toda a amplitude da maré imunda do mal, todo o poder da mentira e da soberba, toda a astúcia e a atrocidade do mal, que se apresenta com a máscara da vida mas serve continuamente a destruição do ser, a deturpação e o aniquilamento da vida. Precisamente porque é o Filho, sente profundamente o horror, toda a imundície e perfíria que deve beber naquele «cálice» que Lhe está destinado - todo o poder do pecado e da morte. Ele tem de acolher tudo isso dentro de Si mesmo, para que n'Ele fique despojado do poder e superado."
Livro do Papa Bento XVI, "Jesus de Nazaré", pág. 130 e 131
Uma das imagens que melhor representa o que Jesus viveu na agonia do Getsemani - imagem retirada daqui
Cheio de angústia, [Jesus] pôs-Se a orar incessantemente e o suor tornou-Se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. (Lc 22,44)
Os Apóstolos deviam estar habituados ao estado sempre sereno de Jesus, mesmo perante discussões com os fariseus, ou perseguições dos habitantes das aldeias da Judeia, ou até mesmo durante as violentas tempestades em pleno mar da Galileia. Esta deverá ter sido a primeira vez que os discípulos O viram tão transtornado, tão desfigurado, tão esmagado pela dor e o peso do pecado do mundo. Nem mesmo naquela outra vez, em que Jesus revirou as mesas dos comerciantes dentro do Templo sagrado do Senhor, usando um chicote para os expulsar da casa do Seu Pai - nem mesmo dessa vez, O tinham visto como agora.
[Jesus] disse-lhes: «Orai, para que não entreis em tentação.» Depois afastou-Se deles (...) e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo: «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não se faça a Minha vontade, mas a Tua.» (Lc 22, 40-42)
Disse-lhes então [Jesus]: «A Minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai Comigo.» E, adiantando-Se um pouco mais, caiu com a face por terra, orando e dizendo: «Meu Pai, se é possível, afaste-se de Mim este cálice. No entanto, não seja como Eu quero, mas como Tu queres.» (Mt 26, 38-39)
É a primeira vez, nos Evangelhos, que nos é descrita a posição que Jesus adopta ao rezar. Põe-se primeiro de joelhos, numa postura de vulnerabilidade e pequenez, e depois prostra-Se no chão duro e frio, com o rosto por terra. Assim, o Seu rosto enche-se de pó, transformado em lama pela mistura com as gotas de suor e sangue. Pó da terra - como tu e eu e toda a humanidade. Abaixando-Se em infinito, humilhando-Se, Jesus chega até nós, mero pó da terra, para mais tarde nos erguer Consigo (no ano passado, escrevi um post sobre esta analogia). Não há como os Apóstolos não compreenderem que, aquele momento na vida de Jesus, é absolutamente importante, decisivo e cheio de significado. Tanto para Ele, como para nós ...
Interior da Igreja da Agonia, em Jerusalém (2019), erguida sobre o exacto local da agonia de Jesus. É uma igreja (adequadamente) muito escura e silenciosa. A pedra sobre a qual Jesus terá passado a noite em oração, encontra-se imediatamente à frente do altar, e está rodeada duma escultura com a forma duma coroa de espinhos, com um cálice no centro.
Jesus disse aos discípulos: «Ficai aqui enquanto Eu vou orar.» Tomando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-Se. (Mc 14, 32-33)
Era necessário que todos os díscipulos O acompanhassem e vivessem o que ía acontecer naquela noite e naquela madrugada, para mais tarde o testemunharem. Mas apenas Pedro, Tiago e João podiam experienciar de forma detalhada, próxima e íntima, aquilo que estava prestes a acontecer com Jesus. Porquê?
Porque eram os únicos que podiam compreender - realmente compreender - o que ía a acontecer. Eram os únicos que tinham sido preparados e fortalecidos, ao longo daqueles três anos de ministério de Jesus, para o que iam ver, sentir e viver naquela noite do início da nossa Redenção. Pedro, Tiago e João tinham sido os únicos a poderem estar presentes naquele dia extraordinário em que Jesus trouxe de novo à vida a filha de Jairo. A sua ressurreição era um sinal do que ia acontecer com Jesus e, através Dele, com a Igreja.
Mais tarde, no topo de outro monte, como o qual se encontram nesta noite, Pedro, Tiago e João tinham testemunhado a Transfiguração de Jesus, o Seu rosto brilhante como a luz do sol e as Suas vestes brancas como a maior pureza de sempre. Tinha sido a manifestação plena da Sua Divindade. Agora iriam testemunhar a manifestação plena da Sua Humanidade. Nesta noite interminável, eles voltarão a ver outra tranfiguração de Jesus - Seu rosto modificado pela dor e pelo suor de sangue, as Suas vestes rasgadas e manchadas de sangue pela Sua paixão. Mais tarde, em apenas três dias, tal como Jesus tinha prometido, voltarão a vê-Lo mais uma vez transfigurado, desta vez com uma alegria eterna no rosto e um glorioso corpo ressuscitado.
Como deve ter sido grande a desilusão de Jesus, naquela noite. Estes três discípulos tinham sido amorosamente escolhidos e preparados para O acompanharem naquele momento, mas até eles falecem e adormecem, até eles sucumbem aos poderes da carne e do mundo. Até eles O abandonam ... Nunca Jesus Se sentiu tão só como naquela noite ...
Voltando para junto dos discípulos, [Jesus] encontrou-os a dormir e disse a Pedro: «Nem sequer pudeste vigiar uma hora Comigo! Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é débil.»
Afastou-Se, pela segunda vez, e foi orar, dizendo: «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-Se a Tua vontade!»
Depois voltou e encontrou-os novamente a dormir, pois os seus olhos estavam pesados. Deixou-os e foi orar de novo pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. (Mt 26, 40-44)
Por três vezes Jesus pede-lhes (implora-lhes!) que rezem, que vigiem e que O acompanhem naquele momento de agonia. Faz-me lembrar das três tentações pelas quais Jesus passa no deserto, sendo tentado por Satanás. Também aqui volta a sê-Lo. Uma vez ouvi alguém dizer que, na primeira parte da noite, Jesus viveu a agonia de todos os pecados e maldades que já tinham sido cometidos no passado; na segunda parte, pelos pecados e iniquidades que estavam a ser cometidos naquele momento da História e, por fim, já de madrugada, por todos os pecados que viriam a ser cometidos no futuro (como os meus e os teus).
Oportunidade única e inesquecível de poder tocar nesta pedra e de rezar neste local sagrado (foto gentilmente tirada por outro peregrino, na altura sem eu me aperceber) - peregrinação à Terra Santa 2019.
Reunindo-Se finalmente aos discípulos, disse-lhes [Jesus]: «Continuai a dormir e a descansar! Já se aproxima a hora, e o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos! Já se aproxima aquele que Me vai entregar.» (Mt 26, 45-46)
Como fico sempre que o leio, estas palavras surpreendem-me. Então Jesus? É para continuar a dormir e descansar, ou é para nos levantarmos com pressa? Ambos. Paradoxalmente, é para fazermos ambos. Por um lado, devemos, sim, ter uma santa pressa em seguir Jesus e em pôr em prática aquilo que Ele nos pede e partilha connosco durante a nossa oração. Devemos ter pressa em servir, em obedecer, em fazer a vontade do Senhor. Mas devemos fazê-lo de forma tranquila, serena, confiantes no poder do Deus que nos chama e na Sua infinita graça, capaz de alcançar tudo em nós. Lembra-te, Marisa, que é assim que deverá sempre viver um cristão ...
O início da Quaresma leva-nos, com Jesus, ao deserto.
Uma vez baptizado, Jesus saiu da água e eis que se rasgaram os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele. E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no Qual pus todo o Meu agrado.» Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. (Mt 3,16-17; 4,1)
O momento em que os céus se rasgaram e o Espírito Santo desceu sobre a terra, parece ter sido um momento marcante e decisivo na caminhada de Jesus, em direcção ao pleno conhecimento da vontade do Pai. Parece ter sido o momento em que Cristo recebeu uma confirmação total acerca da missão a que o Pai O chamava, assim como das suas implicações, ou seja, a redenção de toda a humanidade através do Seu sacrifício de amor na Cruz.
Ao ler estes versículos, impressiona-me como Jesus, após um acontecimento com tanta glória e louvor, obedecendo voluntariamente à doce voz do Espírito, abandona todas as consolações e presenças humanas e Se retira sozinho para o deserto. Para aí passar pela prova de ser tentado por Satanás.
Fala-se cada vez menos de Satanás nos dias de hoje e isto é algo que muito lhe convêm e que ele deseja que permaneça assim. Porque, nós não tentaremos combater aquilo que desconhecemos sequer que existe. E, assim, permitimos que ele continue a manipular-nos e a manipular as nossas vidas, como tanto se observa na nossa sociedade de hoje em dia, sem haver qualquer resistência da nossa parte ...
Contudo, também não podemos cair no espectro oposto, de lhe atribuir poder e capacidades que ele, na verdade, não tem. Ele bem gosta de o fingir, para que acreditemos que ele é muito poderoso e capaz e que nós somos impotentes perante o seu aparente poder. Por exemplo, Satanás, sendo um anjo (se puderem voltem a ler este post sobre os anjos), ainda que decaído, desconhece o futuro - isso só Deus conhece - e apenas conhece o presente à mesma velocidade que nós, assistindo e vivendo o acontecer de cada coisa e acontecimento tal como nós. É verdade, ele conhece o passado, porque o viveu também, e, nesse aspecto, ele é perito em fazer-nos recordar o nosso passado - mas apenas as partes que lhe dão jeito, na sua constante tentativa de nos manipular ....
Diz-nos o Arcebispo Fulton Sheen que, enquanto Deus é pura verdade, definindo-Se a Si mesmo como "Aquele que é", a essência de Satanás é a mentira, podendo ser definido como "Aquele que não é". Ele é o tentador, o mentiroso, o enganador, o fingido por excelência. Uma das poucas capacidades que ele realmente tem é de ser extremamente perspicaz. Ele sabe identificar muito bem os nossos pontos fracos, está atento a cada uma das nossas reacções, sabe estudar bem as nossas tendências, os nossos padrões de comportamento e de pecado. Ele adapta-se astuciosamente a cada circunstância e a cada personalidade, falando-nos sempre através de meias-verdades, com declarações e sugestões parcialmente verdadeiras, mas sempre distorcidas e fraudulentas. E com que objectivo? Sempre na tentativa de nos afastar total e definitivamente do amor do Senhor e de nos arrastar com ele para o Inferno, onde ele próprio está já eternamente condenado.
Podemos comprovar tudo isto, se acompanharmos Jesus ao ser tentado no deserto pelo Demónio. São Mateus conta-nos que "o Tentador aproximou-se" de Jesus (Mt 4,3a). A sua astúcia e capacidade de manipulação é de tal modo que Satanás tenta Jesus fingindo que O tentava ajudar a descobrir a resposta à questão, que tinha sido gerada no Seu coração e na Sua mente após ter sido Baptizado: Como poderia Ele cumprir mais perfeitamente a Sua missão de redenção entre os homens?
Tinha sido para descobrir a resposta a esta pergunta que Jesus tinha-Se retirado sozinho para o deserto, para aí jejuar e orar durante 40 dias e 40 noites, escutando a voz do Pai e deixando-Se moldar por Ele. Mas, se o problema estava em como Jesus poderia "ganhar" e converter o coração dos homens, então o Diabo tinha umas quantas sugestões a dar-Lhe.
Todas elas envolviam - adivinhem só - um espécie de bypass, um atalho, à expiação dos nossos pecados através da Cruz. Deus Pai tinha-Lhe dito, nestes 40 dias de oração no deserto, que esta era a única maneira. Satanás tenta persuadi-Lo de que não, de que há outras maneiras. Hmm, onde é que eu já vi isto acontecer?
A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?»A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim;mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis'. A serpente retorquiu à mulher: ‘Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal‘.» (Gn 3,1-5)
Sim, nas tentações de Jesus no deserto veremos uma repetição das tentações de Adão (e de Eva) no Jardim do Éden. Mas, enquanto os nossos primeiros pais cederam à tentação, Jesus saiu vitorioso, vencendo cada uma delas.
Recordemos: qual era o objectivo, qual era a missão primordial de Deus para Adão e Eva? Viverem e participarem plenamente no Seu reino de amor, como Seus filhos muito amados, e como colaboradores do Seu poder Criador. Tal como o Catecismo da Igreja Católica nos resume na resposta à pergunta: "Para que fomos criados? Para conhecer, amar e servir a Deus" - uma resposta aparentemente simples mas tão poderosa e transformadora, se meditarmos bem nela ...
A serpente, contudo, tenta desviá-los desse objectivo e dessa missão, à semelhança do que tentará fazer com Jesus no deserto. O Diabo tenta distraí-los. Cria e fomenta uma falsa vontade nos seus corações, uma falsa necessidade, suscitando-lhes uma curiosidade que se revelará mortífera. Ele elabora uma mentira e tenta persuadi-los de que é verdade.
Os nossos pais acreditam nesta mentira, cedem sem aparente resistência, e pecam gravemente, rejeitando o amor de Deus e expulsando-se a si mesmos da Sua presença e do Seu reino. Grande foi a alegria de Satanás naquele dia ...
Agora, Satanás tentará fazer o mesmo com Jesus. As suas tentações tentam distrair Jesus da Sua missão de salvação do género humano. O Diabo tenta convencer Jesus de que há outras maneiras de alcançar a desejada Redenção da humanidade. Tenta persuadi-Lo e pô-Lo a duvidar da real necessidade da Sua entrega à vontade do Pai, através do Seu sacrifício voluntário na Cruz. Em vez de ser pela dolorosa e humilhante Cruz, Satanás tenta sugerir-Lhe três outras maneiras, uma espécie de três atalhos que, aparentemente, prometiam alcançar o mesmo fim - a salvação das almas.
Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência, agarrou do fruto, comeu, deu dele também a seu marido, que estava junto dela, e ele também comeu. (Gn 3,6)
Reparem: os nossos pais começaram por ver que o fruto proibido deveria ser bom paracomer,repararam no seu bom e atraente aspecto e concluíram que deveria ser bastante precioso e útil para lhes esclarecer a inteligência (e, assim, tornarem-se basicamente iguais a Deus e ocuparem o Seu lugar). Se meditarmos no assunto, perceberemos que o homem tende a ser tentado e tende a pecar de uma entre três principais maneiras (ou categorias): as que estão relacionadas com os prazeres da carne (pelos pecados da gula e da luxúria), as que estão relacionadas com o desejo de posse e o amor pelas coisas do mundo (pecado da ganância e da inveja) e as que estão relacionadas com o poder e a auto-idolatria (pecado do orgulho).
Da mesma forma, e pela mesma ordem, foi Jesus tentado no deserto pelo Demónio, para nos mostrar como podemos resistir e vencer estas tentações.
Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-Lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães» (Mt 4,1-3)
A primeira tentação foi a da procura do conforto e do prazer dos sentidos. Que situação mais absurda - Deus a sentir fome! Onde é que isso já se viu? Como pode tal ser possível? Se Deus alimentou miraculosamente um povo tão numeroso durante 40 anos no deserto, porque é que agora não faz surgir um banquete para Si mesmo? Porque é que o próprio Deus se permite sofrer esta humilhação e passar por esta necessidade tão humana (apenas) para redimir as Suas criaturas? Parece loucura ...
Aliás, o Diabo parece prometer e sugerir-Lhe que, se Jesus usasse o Seu poder para alimentar todos os famintos deste mundo, então Ele ganharia os seus corações e, assim, a Cruz deixaria de ser necessária. Não parece um bom negócio?
Na verdade, Jesus recordará e passará novamente por esta tentação quando, pregado na Cruz em plena agonia, todos os que passarem por Ele Lhe disserem asperamente: «Salva-Te a Ti mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz!»(Mt 27,40)
Respondeu-lhe Jesus: «Está escrito: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.» (Mt 4,4).
Sim, Jesus passou realmente fome e sede no deserto. E, assim, uniu-Se a toda a humanidade sofredora, sedenta e faminta. Uniu-Se não só àqueles que têm falta de comida e de bebida, tão numerosos no tempo de Jesus como no nosso, mas também àqueles que têm sede e fome de Deus - e esses, sim, são muitíssimo mais numerosos hoje em dia, e encontram-se em quase todas as casas deste mundo.. O homem têm necessidades muitíssimo mais profundas do que aquelas que podem ser saciadas apenas com pão. São homens e mulheres que estão carentes duma felicidade muitíssimo maior do que ter apenas um estômago cheio. Foi para saciar tanto uma, como a outra fome, que Jesus encarnou, habitou entre nós e Se entregou, fazendo de Si mesmo e do Seu corpo o verdadeiro alimento, que nos dá a Vida Eterna.
A segunda tentação foi a da procura da posse e do controlo de todas as coisas: «Se Tu és o Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, que o Senhor Te sustentará» (Mt 4,6). Jesus tem perfeita noção que o caminho a que o Pai O chama terá poucos adeptos. Poucos Lhe darão ouvidos. Poucos O seguirão. Poucos se converterão. Não é um caminho fácil nem atraente aquele que Jesus nos proporá: «Se alguém quiser seguir-Me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-Me» (Lc 9,23) -
Nesta segunda tentação, o Diabo tentará persuadir Jesus a esquecer o caminho da Cruz e a substituí-lo por um caminho que demonstre chamativamente o Seu poder, que seja atractivo e cativante, a fim de tornar mais fácil que todos os homens O sigam.
Quase que oiço o Demónio a dizer-Lhe: 'Porque hás-de preferir um caminho longo e penoso, através do derramamento de sangue e de tanta dor, para converteres os homens? Porque hás-de preferir um caminho em que sejas desprezado, rejeitado e humilhado, enquanto podes escolher um caminho mais curto e eficaz se realizares um milagre vistoso e admirável? Pelo caminho da Cruz, serás como um fantoche nas mãos dos homens, farão de Ti o que eles quiseres, não poderás controlar nada - mas, se Tu quiseres, está aqui mesmo a Tua oportunidade de tomares controlo sobre tudo! Pelo caminho da Cruz, não saberás quantas pessoas conseguirás converter, mas se realizares maravilhas e feitos impossíveis prometo-Te que todos acreditarão! Se és realmente Filho de Deus, eu desafio-Te a fazeres algo heróico, para que todos possam testemunhar o Teu poder e assim acreditar!'
Então, o Diabo conduziu-O à cidade santa e, colocando-O sobre o pináculo do templo, disse-Lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: 'Dará a Teu respeito ordens aos Seus anjos; eles suster-Te-ão nas suas mãos, para que os Teus pés não se firam nalguma pedra'» Disse-lhe Jesus: «Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus!» (Mt 4, 5-7)
Também mais tarde Jesus recordará esta tentação quando, à Sua volta, uma multidão se reunir exigindo-Lhe um milagre, qualquer que fosse, que provasse as Suas palavras e tornasse mais fácil para eles acreditarem plenamente. "As multidões afluíram em massa e [Jesus] começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa, [que] pede um sinal»" (Lc 11,29)
Realmente, se Jesus realizasse esses grandes e admiráveis feitos que O coagiam a fazer, multidões de homens O seguiriam. Mas, como é que isso os beneficiaria, se o pecado permanecesse incrustrado nas suas almas?
Responderá Jesus: «Não tentarás o Senhor teu Deus!» (Mt 4, 7). Não, não farei nada disso que Me pedem. Não farei a vossa vontade, que mal sabeis o que pedis ou o que precisais, mas farei, sim, e sempre, a vontade de Meu Pai. Só quando Me virem pregado numa Cruz se sentirão atraídos até Mim. Só através do Meu sacrifício, do pleno uso da Minha liberdade, da Minha entrega por amor é que, verdadeiramente, os homens se converterão e deixarão os seus maus caminhos.
E responderá Jesus às multidões que O tentam chantagear: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas» (Lc 11, 29).Nenhum sinal vos será dado, a não ser o sinal de Alguém que será elevado aos Céus, após ter saído e vencido as profundezas das águas do abismo e da morte...
Por fim, a terceira tentação foi a da procura da própria glória e louvor: «Tudo isto [reinos e poderes do mundo] Te darei, se, prostrado, me adorares» (Mt 4,9). Satanás tenta, numa última e derradeira tentativa, distrair e desviar Jesus do caminho da Cruz. Se Jesus, tal como Ele próprio o diria mais tarde, veio a este mundo para estabelecer nele o Reino de Deus, porque não escolhia Ele um caminho mais rápido para alcançar tal? Porque não Se submetia Àquele que se apresentava como Senhor deste mundo?
Levando-O a um lugar alto, o Diabo mostrou-Lhe, num instante, todos os reinos do universo e disse-Lhe: «Dar-Te-ei todo este poderio e a sua glória, porque me foi entregue e dou-o a quem me aprouver. Se Te prostrares diante de mim, tudo será Teu.» (Lc 4, 5-7)
Será que o mundo foi-lhe realmente dado? Será que o mundo realmente lhe pertence? A contínua escolha dos homens pelo pecado parece corroborar esta afirmação. Por voto e vontade da maioria dos homens, comprovado pelas suas acções e escolhas diárias, não haveria dúvidas de que todo o mundo lhe pertencia ... em especial nos dias e na sociedade de hoje.
Mas não, isso não é verdade. Pode-nos parecer, por vezes, sim. Mas lembrem-se que Satanás é o príncipe da mentira e do fingimento! O Diabo promete que Jesus poderia ficar com tudo o que existe no mundo, desde que Ele não o tentasse mudar. Poderia ficar com os corações de toda a humanidade, desde que Ele prometesse não os tentar salvar e redimir.
Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.» (Mt 4, 10)
Jesus responder-lhe-á: 'Vai-te Satanás! Adorar-te é servir-te e servir-te é ser escravo do pecado. Foi exactamente para tornar a humanidade livre das garras do pecado que Eu vim. Eu não desejo nada deste mundo enquanto eles estiverem presos nas amarras da maldade e da culpa. Primeiro, Eu irei vencer a maldade e a conscupiscência no coração dos homens, e então depois conquistarei o mundo e serei coroado Rei de todo o Universo! Eu prefiro perder e abdicar de tudo o que existe neste mundo, do que perder uma só alma para o Reino de amor do Meu Pai!'
Então, o Diabo deixou-O e chegaram os anjos e serviram-n'O. (Mt 4,11)
Por agora, a vitória foi alçancada. Ao contrário do primeiro Adão, o novo e eterno Adão, Jesus, vence as grandes tentações que continuamente assaltam a humanidade. O Diabo deixa-l'O-á mas não será por muito tempo. Uns capítulos à frente, leremos como o Tentador conseguirá apoderar-se momentaneamente do coração de Pedro. Ele, o primeiro entre os discípulos a reconhecer o Messianismo de Jesus, proferindo no versículo 16 do capítulo 16: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo», dirá também logo no versículo 22 desse mesmo capítulo: «Deus Te livre, Senhor! Isso nunca Te há-de acontecer!», quando Jesus lhes anuncia que a glória da Ressurreição só é possível através do caminho humilhante e penoso da Cruz.
Nos próximos posts, se Deus o permitir e me ajudar, continuaremos a caminhar com Jesus, nesse caminho de Cruz, em direção à plena obediência à vontade do Pai. Por agora, meditemos no nosso coração, acerca das tentações de Jesus, no seu significado, de como foi possível Ele vencer cada uma delas.
Foi através deste "primeiro treino" no deserto, através destes testes e provações, que Jesus Se fortaleceu para a "grande prova". Pela graça de Deus, nós estamos em plena Quaresma, nos exercícios de "treino" por excelência, para as grandes "provas" das nossas vidas. E a maior "prova" da minha vida começará dentro de pouquíssimo tempo, nesta mesma Páscoa ...
Post escrito após a leitura do livro "Life of Christ" do Arcebispo Fulton Sheen, 1958, pág 59 a 69
Jesus, com um grito forte, expirou. E o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo (Mt 15, 38)
Com a morte de Jesus rasga-se o véu do templo de Jerusalém. Este véu localizava-se no interior do templo, à entrada do Santo dos Santos, o local mais sagrado para os judeus, onde apenas o Sumo Sacerdote podia entrar (e apenas uma só vez no ano) para estar na presença do Altíssimo e pronunciar o Seu Nome santo.
Este véu, ao contrário dos véus a que estamos habituados, não era de renda, nem de nenhum tecido fininho, transparente ou frágil. Era mais uma tapeçaria, um têxtil que apenas podia ser produzido pelo melhor artesão, sujeito a inúmeras regras, utilizando fios de lã de cor azul (simbolizando o Criador do mundo), de cor roxa (significando a realeza do Senhor dos Exércitos) e de cor escarlate (simbolizando o sangue dos sacrifícios) juntamente com fios do linho mais puro, pela pureza do Santo de Israel. Depois, tinha ainda de ser bordada a ouro, com a imagem de dois querubins, de dois anjos que guardavam, de dia e de noite, a porta que dava acesso ao Senhor. E o que se dizer das suas dimensões? Nada mais nada menos que 5m de largura, 5m de altura e 5cm de espessura de acordo com as Escrituras...
Com a morte de Jesus rasga-se o véu do templo de Jerusalém. Este véu espesso e forte, que impedia o acesso a Deus, é dividido em dois e rasgado de alto a baixo. O rosto de Deus, que sempre tinha estado, até aquele momento, escondido e velado - até mesmo de Moisés, que falava com o Senhor como se fosse um amigo - é então revelado a todos, judeus e pagãos.
É o próprio Deus que retira o véu e que Se mostra e releva livremente, como Aquele que ama até ao fim, Aquele que ama até dar a própria vida pelo ser amado...
O véu foi rasgado. A porta foi escancarada. O peito foi aberto. O acesso a Deus está livre!
No primeiro dia da semana, ao romper do dia, as mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que tinham preparado. Encontraram removida a pedra da porta do sepulcro e, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes, que lhes disseram: «Porque buscais entre os mortos Aquele que vive? Não está aqui: ressuscitou!» (Lc 24, 1-3.4b.5b)
Temos o azul do céu, o roxo dos perfumes, o escarlate das marcas do sangue e o branco da mortalha e das ligaduras. À entrada, dois anjos guardam a porta que dá acesso ao Senhor e a porta está completamente aberta ... Já nada, nem mesmo o pecado nem a morte, nos pode separar do amor de Deus!
Jesus é a Verdade. Deus é a Verdade. A Verdade é Deus.
Assim, o mundo torna-se cada vez mais verdadeiro na medida em que reflectir Deus - o amor de Deus e o Deus de amor. Assim, o mundo torna-se tanto mais verdadeiro quanto mais se aproximar de Deus e do Seu Reino de verdade, vida, liberdade, amor.
O homem torna-se cada vez mais verdadeiro, cada vez mais ele mesmo, cada vez mais parecido com o ser que deveria ser, quanto mais se conformar com o próprio Deus, quanto mais se tornar a Sua imagem e semelhança.
Deus é a realidade que nos confere a natureza e o sentido do nosso ser.
«Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. (Jo 17,37)
Dar testemunho da Verdade significa então pôr Deus em realce, dar-Lhe o primeiro lugar em todos os instantes e em todos os aspectos da nossa vida. Dar testemunho da Verdade significa estar atento, colocar-nos em atitude constante de escuta e pôr em prática a Sua vontade.
«Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. (Jo 17,37)
A Redenção que Cristo nos veio oferecer foi assim, de certo modo, o tornar a Verdade perfeitamente reconhecível, identificável, perceptível - para todos.
Esta é a pergunta que Pilatos faz a Jesus, já no final do seu interrogatório. Realmente, ele faz a pergunta - mas não quer ouvir a resposta. É por isso que Pilatos foge - "dito isto, foi ter de novo com os judeus" (Jo 18,39). Porque, se ouvisse a resposta, algo, depois, teria de mudar... Ninguém pode permanecer o mesmo, viver da mesma forma, agir do mesmo modo - depois de fazer uma pergunta destas Àquele que tudo criou. Não depois de ouvir a resposta ...
Jesus sabia que Pilatos não ia querer ouvir a resposta à sua própria pergunta - «Que é a Verdade?» (Jo 18,38) - a pergunta que brotou espontaneamente do seu coração, sem que ele a pudesse impedir de se expressar, sem que a razão - fria, política, calculista, como era seu hábito - dominasse a questão profunda que a sua alma procurava ...
Mas foi para poder responder clara e definitivamente a esta questão - que surge não só no coração de Pilatos, mas também de cada homem, mais tarde ou mais cedo ao longo da sua vida - que Jesus encarnou, viveu, morreu e ressuscitou. É por isso que Jesus oferece a Pilatos, subtilmente, a resposta, antes mesmo de este a pronunciar em voz alta, quando ainda só o tinha feito no fundo da sua alma. E esta é a única resposta capaz de o (e de nos) saciar
«Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade.
Todo aquele que vive da Verdade, escuta a Minha voz». (Jo 18,37)
Assim falou Jesus, levantando os olhos para o céu, exclamando: «Pai, chegou a hora! Manifesta a glória do Teu Filho, de modo que o Filho manifeste a Tua glória, segundo o poder que Lhe deste sobre toda a Humanidade, a fim de que dê a vida eterna a todos os que Lhe entregaste. Esta é a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste».
Jo 17,1-3
No outro dia, apercebi-me da tendência que tenho em pensar na «vida eterna» como sendo apenas a vida que começará depois da nossa morte. Oh, quando formos para o Céu! Oh, viveremos eternamente no Reino do amor de Deus! Como seremos felizes, felizes!....
Mas não, não é assim. Ao meditar nesta passagem de São João, apercebo-me do meu grave erro. A vida eterna não é algo que ainda vai começar. É algo que já começou!
Esta é a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste. (Jo 17,3)
A partir do momento que ocorre esta conversão no nosso coração, esta Fé no Senhor nosso Deus, Criador do céu e da terra, nosso Pai que tanto nos ama, ao ponto de nos enviar o Seu Filho para nos redimir de todos os pecados que nós fizémos, apenas para podermos ter a possibilidade de entrarmos novamente em plena comunhão de amor com Ele ... É aí, aí mesmo, que começa a nossa vida eterna...
Diz-nos Jesus, no relato da ressurreição do Seu querido amigo Lázaro:
«Quem crê em Mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim não morrerá para sempre.» ( Jo 11,25-26)
Os primeiros cristãos compreenderam logo esta realidade, profunda e transformadora, que Jesus nos veio oferecer. Chamavam-lhes "os viventes", segundo nos conta o nosso Papa Bento XVI, porque tinham encontrado aquilo que todos procuravam (e que continuam, ainda hoje, a procurar): a própria vida, a vida plena, verdadeira, imperecível, invencível, contra a qual a morte não tem nenhum poder ...
Esta é a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste. (Jo 17,3)
Cada homem encontra esta vida que tanto procura, a «vida eterna», através do conhecimento de Deus, do verdadeiro e único Deus. Conhecer, segundo a linguagem bíblica, significa comunhão, intimidade, entrega, identificação plena com aquele que queremos conhecer...
A vida eterna torna-se assim, de certa forma, numa relação do mais profundo amor com Aquele que é em Si mesmo a verdadeira fonte da vida.
Começo a pensar que digo o mesmo todos os anos (apesar de ainda só ter vivo 6 Quaresmas na minha vida), mas digo-vos com toda a sinceridade que a Quaresma deste ano tem sido, sem qualquer sombra de dúvida, a Quaresma mais difícil e excruciante de que me lembro de viver ... As razões são mais que muitas, as consequências e implicações, então, são ainda mais numerosas. Mas a causa ... a causa é só uma, vim eu a descobrir - o meu orgulho, a minha soberba.
Ao ler algumas reflexões de outras pessoas sobre esta Quaresma, tão particular e única, notei que muitas partilhavam o quanto esta Quaresma lhes ensinou a ouvir - a voz do Senhor e a voz dos irmãos. Bem, para mim, tendo sido uma Quaresma que me tem ensinado não só a ouvir mas também a ver ... eu, que tão, tão cega andava ... À semelhança do cego de Betsaida, que Jesus chama de parte, tomando-o pela mão para longe da cidade, para aí conversar com ele e curá-lo através da graça que provém da Palavra da Sua boca...
Chegaram a Betsaida e trouxeram-lhe um cego, pedindo-lhe que o tocasse. Jesus tomou-o pela mão e conduziu-o para fora da aldeia. Deitou-lhe saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou: «Vês alguma coisa?». Ele ergueu os olhos e respondeu: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar». Em seguida, Jesus impôs-lhe outra vez as mãos sobre os olhos, ele começou a ver e ficou curado.
Mc 8,23-25
Sei que este ano a Igreja nos chama a ler o Evangelho de São Mateus, mas eu tenho sentido uma necessidade inexplicável de ler o Evangelho de São João e é sobre algumas passagens deste Evangelho que gostava de ir partilhando convosco ao longo destes dias - talvez sejam umas reflexões um pouco soltas e um pouco atrasadas em relação ao programa litúrgico, eu sei, mas sei também que para a graça actuante do Senhor não existe tarde demais ...
Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.
Jo 13,1
A festa judaica da Páscoa celebrava a saída e libertação do povo hebraico das terras do Egipto, passando da condição de escravos para filhos livres do Senhor. Agora - sim, agora - em que vivemos o pleno cumprimento de todas as Escrituras através de Jesus, é chegada a hora da "passagem" de Jesus, a hora do amor "até ao fim". Realmente, se pensarmos bem, o amor é um processo de transformação, em que cada um é chamado a sair de si mesmo e dos seus limites humanos, para chegar até ao ente amado, ao irmão, ao Senhor. Para amarmos como Jesus, é preciso estarmos dispostos a fazer - e a sofrer, sim, porque dói - esta passagem, esta transformação...
Para que o amor pelo irmão e pelo Senhor cresça no nosso coração (e na nossa vida), é preciso fazer espaço, é preciso criar espaço dentro dos nossos corações. Como? Pois, essa é a parte dolorosa, porque a resposta é só uma - esvaziando-nos de nós próprios, esvaziando-nos do amor que temos por nós próprios, despojando-nos do nosso querer, do nosso egoísmo ...
Jesus, sabendo que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-Se da mesa, tirou o manto e tomou uma toalha, que pôs à cintura. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cintura.
Jo 13, 3-5
Chegou a "hora" de Jesus, a hora do amor, perfeito, total, profundo, radical; chegou a hora de passar deste mundo para o Pai. Como vive Jesus essa hora de passagem, de mudança? Em pleno serviço, em pleno despojamento de Si mesmo ...
Por amor à ovelha perdida e presa no pecado, por amor a mim, por amor a ti, Jesus saiu de junto de Deus Pai, e desceu até nós, assumindo a nossa condição humana. Nisto consiste o amor - sair de nós mesmos para alcançar o outro que amamos, descendo o que for preciso, abaixando-nos, humilhando-nos, até chegarmos junto do ser amado.
Num gesto completamente contrário ao de Adão no jardim do Éden (e à minha própria acção, diária, aliás, inúmeras vezes ao longo do dia...), que tentou apoderar-se do que era divino pela sua própria vontade e através das suas próprias forças, Jesus esvazia-se de Si mesmo, colocando-se na posição de escravo e servo; retirando o Seu manto, despojando-se de todo o Seu esplendor divino; Jesus ajoelha-se diante de cada um de nós, lavando e enxugando os nossos pés sujos ...
Jesus desceu do Céu, de certa forma, sozinho. Mas já não regressará para junto de Deus Pai sozinho. Levar-nos-á, a todos, com Ele, para o Céu, para o Reino de amor que Deus tanto anseia por nos oferecer - para todo o sempre!
Não houve uma só Estação desta Via Sacra que não me tivesse falado direitinho ao coração, fazendo-me reconhecer plenamente os meus pecados mais profundos, sem me deixar dizer qualquer desculpa ou tentativa de esconder ... E assim, com as feridas expostas, o Divino Médico poderá então curá-las ...