Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Sou uma jovem esposa e mãe católica portuguesa. Neste blog partilho a minha caminhada em busca da santidade e o meu encontro com o amor misericordioso do Senhor. Espero que ele vos possa ajudar a encontrar a alegria do Evangelho!
Naquele tempo, disse Jesus: «Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino dos Céus: vós não entrais nem deixais entrar os que o desejam.
Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações. Por isso, sereis mais rigorosamente julgados.
Ai de vós, guias cegos, que dizeis: "Quem jurar pelo santuário a nada se obriga; mas quem jurar pelo ouro do santuário tem de cumprir". Insensatos e cegos! Que vale mais: o ouro ou o santuário que santifica o ouro?" (Mt 23, 13-14. 16-17)
Ao longo desta 21ª Semana do Tempo Comum, se acompanharmos as leituras do Evangelho, veremos Jesus a reprovar, repetidas vezes, os fariseus e os escribas, acusando-os de hipocrisia. Jesus utiliza palavras e imagens muito fortes, (excessivamente?) duras até. Chama-lhes hipócritas, insensatos, devoradores de viúvas, cheios de maldade, autênticos cegos que provocam também a cegueira de outros homens. Compara-os a sepulcros caiados, belos por fora mas podres por dentro, e a pedras de tropeço, causadores de quedas irrecuperáveis para muitos.
"Oh pobres fariseus e escribas" - penso eu, tantas vezes, suspirando e revirando os olhos - "sempre tão arrogantes e convencidos ... " Mas será realmente assim, Marisa? Terão sido eles sempre assim? Será que era apenas esse - a arrogância, a hipocrisia, a cegueira - o problema que Jesus lhes apontava? Será que Jesus queria apenas apontar-lhes o dedo, nomeando os seus pecados?
Mas o Senhor alguma vez quererá apenas isso? Alguma vez Deus desejaria apenas criticar, apontar o dedo, denunciar, tornar público o pecado pessoal de cada um deles? Para que serviria isso, Marisa? Qual o bem disso? Acaso Deus comportar-se-ia como um mero denunciador - "Vejam todos como eles são maus!"? Acaso Deus não é amor? Acaso poderá ter havido algum instante da vida de Jesus - Ele que é verdadeiramente Deus, verdadeiramente Homem - em que Ele, falando ou agindo, não estaria a amar a pessoa à Sua frente, a obra das Suas mãos?
Talvez Marisa, a questão seja mais profunda do que te parece à primeira vista.
Lembra-te do que ouviste recentemente numa homilia: os escribas eram autênticos guardiões da Lei e dos Escritos Sagrados, copiando-os cuidadosa e rigorosamente, garantindo que nenhum erro se propagasse nem que se perdesse no tempo uma só palavra de Deus; já os fariseus eram um grupo recente na altura de Jesus, formados pela necessidade de reavivar o judaísmo daquela altura e impedir que se perdesse a beleza das Escrituras, da cultura e da religião judaica ou que o povo fosse corrompido pelos pensamentos, filosofia e estilos de vida pagãos, tanto da parte dos gregos como dos romanos.
Permitam-me o atrevimento de dizer: Jesus era muito parecido com os fariseus. Eles conheciam a Lei e os Profetas de trás para a frente, como se fosse a palma das suas mãos, tal como Jesus conhecia. Eles dedicavam todo seu tempo, toda a sua vida, à leitura, ao conhecimento, à interpretação e à propagação da beleza da Lei e dos Profetas, tal como Jesus o fez também. Eles eram praticantes exemplares da Lei, tal como Jesus o era. Eles eram amantes da Palavra de Deus, tal como Jesus a amava.
O problema dos fariseus foi que rapidamente caíram na tentação do poder e da auto-suficiência. Deixaram-se sucumbir em escrúpulos. Quiseram tornar-se donos da Lei e dos Profetas, autoridades irrepreensíveis, acima de qualquer outra - até acima de Deus. E esqueceram-se que eram meros homens, pó da terra, servos do Senhor. ..
Pobres fariseus - o bom e o belo que poderíeis ter sido, que o Senhor desejava que vos tivésseis tornado, que Deus vos chamava a ser ...
Em vez disso, escolheram esconder as suas misérias - até de si mesmos - e colocar máscaras para outros verem. Desejaram ser admirados e assim escolheram fingir - ser mais e melhor do que, realmente, eram.
Escolheram fingir, esconder as suas misérias, fugir de si mesmos. E assim impedir deliberadamente que a graça santificante de Deus possa actuar nas suas almas. Fingindo, escondendo-se, fugindo - impediram assim que Deus os habitasse, os renovasse, os curasse, os perdoasse. Talvez seja por isso que Jesus não tolera a sua hipocrisia.
Além disso, é como se declarassem explicitamente que Deus não os criou correctamente, que não os gerou bem, que eles deveriam ser diferentes do que são. No fundo, que Deus errou e fez algo mal - mas que eles fariam melhor.
Pobres escribas e fariseus - que por vezes sou eu mesma. Tão amantes e zelosos da Palavra de Deus, que tentavam tornar-se seus donos e senhores. Tentavam almejar uma perfeição diferente daquela a que Deus os (e nos) chama e convida. Lembrem-se quem são, de quem são, donde vieram, para onde querem ir. Reconheçam as vossas misérias. Não as tentem esconder - de si mesmos e de Deus. Não fujam - de vocês próprios nem da misericórdia do Senhor. Não tentem fingir ser o que não são - o Senhor ama-vos. E vós, aceitais o Seu amor? Aceitais ser amados?
Que o Senhor possa dizer de mim, um dia, tal como disse do Apóstolo Bartolomeu
«Eis um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento. Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem.» (Mt 23, 47. 51)
O Senhor disse a Abrão: «Ergue os teus olhos e, do sítio em que estás, contempla o norte, o sul, o oriente e o ocidente. Toda a terra que estás a ver, dar-ta-ei, a ti e aos teus descendentes, para sempre. Farei que a tua descendência seja numerosa como o pó da terra, de modo que só se alguém puder contar o pó da terra é que a tua posteridade poderá ser contada.Levanta-te, percorre esta terra em todas as direcções, porque Eu ta darei.» (Gn 13, 14-17)
À semelhança de Moisés, também Abrão não chegará a ver cumprida a promessa da posse das terras de Canaã Ele testemunhará apenas o iníciodo cumprimento da segundapromessa que o Senhor lhe faz: de que teria uma descendência e que esta seria tão numerosa como os grãos de pó da terra ou como as incontáveis estrelas do céu numa noite de deserto...
É absolutamente claro, em todas as passagens da história de Abrão, que o seu maior desejo era ser pai. Mas, os anos passavam, Abrão e Sarai envelheciam e nenhum filho vinha. Abrão tinha 75 anos quando o Senhor lhe prometeu, pela primeira vez, uma descendência. Sarai, sua esposa, seria mais nova mas, ainda assim, já há muito que tinha passado a idade da fertilidade. É verdade que Deus tinha demonstrado o Seu poder de diversas formas e em sucessivos acontecimentos extraordinários, mas até um Deus Todo Poderoso tem limites à Sua acção!
Por pensar assim, as Sagradas Escrituras vão relatar-nos as várias formas que Abrão usará para tentar "facilitar" o cumprimento desta promessa de Deus. Primeiro, trará consigo Lot, seu sobrinho, desde a terra de Ur dos Caldeus até à Terra Prometida, pensando que seria ele, se o amasse e o tratasse como seu próprio filho, o herdeiro do seu nome. Mas o Senhor ensinar-lhe-á que é necessário aprender a desapegar-se da sua vida passada, para crescer em santidade.
Mais tarde na sua vida, Abrão pensará que irá ser Eliezer, o seu escravo tornado amigo do peito, que vira nascer e crescer com tanta alegria na sua casa, a continuar a descendência da sua família.
O Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo; a tua recompensa será muito grande.» Abrão respondeu: «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer, de Damasco.» E acrescentou: «Não me concedeste descendência, e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.» Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» (Gn 15, 1-4)
Mas um escravo não é bom o suficiente. Mesmo que um escravo representasse, como na altura de Abrão, uma posse total sobre outra pessoa, alguém que nos pertence inteiramente e que nos é totalmente fiel e dedicado; mesmo essa totalidade de posse não se compara com uma relação filial. Mal podia imaginar Abrão que, já aqui, estava expresso o profundo e radical desejo de Deus de nos tornar Seus amados filhos, após sermos redimidos e salvos pelo sangue derramado de Jesus.
Com o tempo, Abrão compreendeu que, alguém que saia das nossas próprias entranhas e que tenha o nosso próprio sangue, que possamos amar como filho e que nos ame como pai, é absolutamente diferente de alguém que nos sirva apenas por temor e dever, por mais dedicado que ele seja.
"Abrão confiou no Senhor e Ele considerou-lhe isso como mérito" (Gn 15,6)
Mas os anos passavam e continuavam a passar e... nada! A fé de Abrão, por esta altura, podia já ser grande e madura. Mas a de Sarai, sua mulher, ainda tinha muito que crescer. Sarai deixa-se vencer pelo desespero e pela dúvida destruidora de não se achar suficiente para Deus nem para o seu marido. Sarai deixa-se definir pela sua aparente esterilidade, o seu coração endurece-se e torna-se amargo. Assim, já que parecia que o Senhor nada fazia, ela própria faria as coisas acontecerem, com as suas próprias mãos!
Sarai, mulher de Abrão, que não lhe dera filhos, tinha uma escrava egípcia, chamada Agar. Sarai disse a Abrão: «Visto que o Senhor me tornou uma estéril, peço-te que vás ter com a minha escrava. Talvez, por ela, eu consiga ter filhos.» Abrão aceitou a proposta de Sarai. Ele abeirou-se de Agar e ela concebeu. (Gn 16, 1-2.4)
Quanta dor, quanta infelicidade, trará este acto à vida de Sarai ... Oh, como ela se vai arrepender! Quantas vezes me revejo a mim própria em Sarai, com a minha mania de querer fazer com que as coisas aconteçam pelas minhas próprias mãos, visto que o Senhor aparentemente se atrasa e eu já não consigo esperar mais ...
Ismael é o primeiro filho de sangue de Abrão, que nasce 11 anos depois da primeira promessa de descendência do Senhor a Abrão. É quase como se as Escrituras nos dissessem: "Abrão já estava preparado, a sua Fé tinha crescido e amadurecido, e estava pronto para ser pai .... mas Sarai ainda não". E, num Matrimónio, sabemos que já não existem dois, mas um só.
Na verdade, passarão mais 13 anos, até ao dia em que três homens enviados por Deus passem à porta da tenda de Abraão e anunciem a chegada do seu filho primogénito. Serão precisos todos esses anos, para que Sarai conheça o Senhor e cresça em intimidade com Ele; que se deixe amar e satisfazer plenamente por Ele; que permita que seja Ele a moldá-la, com todo o Seu amor e misericórdia, até se tornar verdadeiramente numa mãe. Serão precisos esses 13 anos para que a fé de Sarai alcançe as alturas da fé do seu esposo.
Então, sim, estão ambos prontos e transformados: Abrão torna-se Abraão - que significa pai de muitos - e Sarai torna-se Sara - mãe de muitos.
Abrão tinha noventa e nove anos, quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: «Eu sou o Deus supremo. Anda na Minha presença e sê perfeito.Quero fazer uma aliança contigo e multiplicarei a tua descendência até ao infinito. Já não te chamarás Abrão, mas sim Abraão, porque Eu farei de ti o pai de inúmeros povos.» E Deus disse a Abraão: «Não chamarás mais à tua mulher, Sarai, mas o seu nome será Sara. Abençoá-la-ei e dar-te-ei um filho, por meio dela. Será por mim abençoada, e será mãe de nações, e dela sairão reis.» (Gn 17, 1-2.5.15-16)
Isaac nascerá exactamente quando Abraão completar 100 anos. Fazendo as contas, Isaac só nascerá 25 anos depois da primeira promessa de descendência que Deus fez a Abraão, ainda nas terras de Ur dos Caldeus. Depois, Isaac terá já 40 anos quando finalmente casar com Rebeca, que só engravidará 20 anos depois, com os gémeos Esaú e Jacob.
Assim, Abraão terá de esperar85 anos, desde a primeira promessa do Senhor, para ver nascer os seus netos. Quando Abraão finalmente morrer, aos 175 anos de vida segundo a Bíblia, ele terá apenas um filho, já com 75 anos, e dois netos com 15 anos de vida - um começo (aparentemente) pouco favorável para o cumprimento duma descendência numerosa e duma grande nação sucessora ....
Mas o próprio Senhor nos responde:
Haverá alguma coisa que seja impossível para o Senhor? (Gn 18, 14)
Houve fome naquela terra. Como a miséria era grande, Abrão desceu ao Egipto para aí viver algum tempo. Quando já estavam quase a entrar no Egipto, Abrão disse a Sarai, sua mulher: «Ouve, sei que és uma mulher de belo aspecto. Quando os egípcios te virem, dirão: ‘É a mulher dele.‘ E matar-me-ão e a ti conservarão a vida. Diz, pois, que és minha irmã, peço-te, a fim de que eu seja bem tratado por causa de ti, e salve a minha vida, graças a ti.» (Gn 12, 10-13)
Acho que não deve existir ninguém neste mundo que tenha facilidade em admitir os próprios erros. Ainda mais, se esses erros forem bastante sérios e tiverem consequências graves, como colocar em causa a segurança de toda a nossa família.
Abrão toma a decisão de levar toda a sua família para o Egipto, aparentemente, sem rezar primeiro sobre o assunto, sem tentar compreender a vontade ou os caminhos do Senhor, sem Lhe perguntar o que deve fazer. Talvez tenha havido um ou mais anos de colheitas difíceis e escassas, de pouca reprodução dos seus rebanhos, de tempo sempre seco e quente, inóspito e infecundo. De qualquer das formas, Abrão vê-se rodeado de dificuldades, fica ansioso e com medo, e toma uma decisão precipitada e não desejada pelo Senhor.
Como podemos saber que esta decisão não era da vontade do Senhor? Porque, para a realizar e justificar, Abrão vê-se "obrigado" a pecar, vê-se forçado a ser desonesto para manter a sua decisão. Os caminhos do Senhor favorecem sempre o crescimento das virtudes em nós. Os nossos caminhos, pelo contrário, tendem a favorecer um ciclo perpetuante de pecado atrás de pecado ... Abrão não mente, é verdade; Sarai, sua esposa, era realmente também sua meia-irmã, filha do mesmo pai mas de uma mãe diferente da de Abrão. Era habitual, naquela altura, que meios-irmãos se casassem, para que a família ou a tribo se conservasse e crescesse.
Mas Abrão, em vez de actuar como chefe protector da sua família, está disposto a pecar ele próprio e a levar a sua esposa a pecar também, pedindo a Sarai que seja desonesta e que esconda uma parte importante da verdade. Na ânsia de executar os seus planos e sonhos, Abrão coloca Sarai em risco, ao permitir que esta pudesse ser livremente chamada a apresentar-se na corte do Faraó ...
Imagem da autoria de George Hawke, traduzida e adaptada por mim
Mas, apesar dos nossos erros e dos nossos pecados, por mais pequenos ou por mais graves que sejam, o Senhor, que é rico em misericórdia, consegue sempre trazer frutos, consegue sempre trazer o bem, apesar do mal criado por nós. Apesar da sua errada decisão, Deus, na Sua infinita bondade, faz com que o Egipto se torne num local de refúgio para Abrão.
Ali, no Egipto, Abrão aperceber-se-á do seu erro e do seu pecado. Ali, no Egipto, ele voltará a encontrar-se com Deus, recordará as Suas promessas e a sua fé continuará a crescer. Ali, no Egipto, Abrão fortalecer-se-á, para depois ter a coragem de voltar para Canaã e explorar as terras que, apesar de agora estarem ocupadas por outros povos, um dia serão suas e da sua descendência - assim lhe prometeu o Senhor do Universo.
Esta Fé, a cada dia maior, pela progressiva relação de intimidade entre o Senhor e Abrão, que o Senhor incentiva e que Abrão luta por manter, é particularmente visível no episódio da separação de Lot.
A terra não era bastante grande para nela se estabelecerem os dois, porque os bens de ambos eram avultados.Houve questões entre os pastores dos rebanhos de Abrão e os pastores dos rebanhos de Lot. Então Abrão disse a Lot: «Peço-te que entre nós e entre os nossos pastores não haja conflitos, pois somos irmãos.Aí tens essa região toda diante de ti. Separemo-nos. Se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda.» (Gn 13, 6-9)
Às vezes ponho-me a pensar que, à semelhança das crianças pequenas, todos temos um "ursinho de peluche", uma "fraldinha", uma "chucha", algo do qual não abdicamos e à qual nos agarramos, com unhas e dentes, em momentos de insegurança, de medo, de desconhecimento quanto ao futuro. Esses "ursinhos" ou "fraldinhas" pode ser o nosso cônjuge, os nossos pais, os nossos filhos, ou então pode ser a nossa carreira, as nossas capacidades, um talento especial, algo pelo qual somos conhecidos, o nosso estatuto na paróquia, ou pode ser a nossa casa, as nossas condições socio-económicas, a cidade em que sempre vivemos, a paz e tranquilidade da nossa vida pacata, o conforto da nossa rotina, a segurança da nossa vida bem planeada ...
O sobrinho Lot era, permitam-me que o diga assim, o "ursinho de peluche" na vida de Abrão. "Ofereço-Te tudo Senhor, estou disposto a abdicar de tudo, tudo! Só não me tires o Lot, Senhor, que eu tanto amo ..."
Se, com a morte do seu pai Tera em Harã, foi quebrado o vínculo de Abrão com a sua vida anterior, antes de conhecer o amor do Deus Único, a presença de Lot na sua vida era, por assim dizer, a representação dos últimos fios, das últimas fibras, que ligavam Abrão ao seu passado. Um passado conhecido e, por isso, enganadoramente seguro.
Abrão tem aqui uma bela oportunidade para demonstrar a sua experiência de vida, já adquirida por meio de erros e pecados. Ele, não só está disposto a separar-se de Lot, desapegando-se assim de toda a sua segurança anterior, como ainda o permite escolher a melhor parte daquela imensa terra que o Senhor lhe prometeu - a ele, Abrão, e não a Lot.
Ah, agora sim Abrão - agora, estás a aprender a ser humilde, como Eu, e a abandonares-te a Mim e ao Meu amor ...
Depois de Lot o ter deixado, Deus disse a Abrão: «Ergue os teus olhos e, do sítio em que estás, contempla o norte, o sul, o oriente e o ocidente. Toda a terra que estás a ver, dar-ta-ei, a ti e aos teus descendentes, para sempre. Farei que a tua descendência seja numerosa como o pó da terra, de modo que só se alguém puder contar o pó da terra é que a tua posteridade poderá ser contada. Levanta-te, percorre esta terra em todas as direcções, porque Eu ta darei.» (Gn 13, 14-17)
Ser capaz de abdicar de Lot representou para Abrão um importante marco na sua caminhada de Fé. Na verdade, as provas de Fé a que o Senhor nos chama, ao longo da nossa vida, não existem para que mostremos a Deus, e aos outros, como é grande e valente a nossa Fé. Servem, sim, para que nós próprios nos apercebamos de quantas maravilhas o Senhor é capaz de fazer em nós e através de nós, apesar da nossa pequenez e fragilidade.
Este post começa com um suspiro. Saído bem de dentro da minha alma. Caramba Marisa, outra vez?
Cada vez mais noto que peco por falta de Fé. A minha confiança nas promessas do Senhor flutua continuamente e a minha resposta ao Seu chamamento diário é inconstante e vacilante. As dificuldades no caminho, por mais pequenas que sejam, tornam-me insegura, fazem-me duvidar com facilidade e, muitas vezes, pecar por falta de Fé.
Oh, como gostava de ser como tal e tal santo, ou como esta e a outra figura da Bíblia, com uma Fé sempre crescente, estável, inabalável ... Eles eram todos assim, não é, firmes, constantes e inalteráveis na sua Fé, enquanto eu pareço sempre ser flutuante e instável ... Não é?
Bem ... não, Marisa. Nem por isso. Nem sempre. Nem todos.
No outro dia, ao preparar a catequese para o meu grupo do 5ºvolume, pus-me a ler com atenção a história do Abraão. Ia lendo, capítulo a capítulo, tentando conhecer com pormenor a história da sua vida, para depois a ensinar aos meninos. Eis então que me apercebo de algo: eu não (re)conheço este Abrão!
Sempre tive tendência em pensar nesta personagem como Abraão, o nosso Pai na Fé, com uma das Fés mais fortes e resilientes da história do Cristianismo, sempre confiante nas promessas do Senhor, por mais impossíveis que elas parecessem à primeira vista. Mas, aquilo que eu ia lendo transmitiu-me, pela primeira vez na minha vida, uma imagem diferente.
O Abrão que eu lia tinha dúvidas, nem sempre acreditava nas palavras do Senhor, pecava inúmeras vezes, tomava decisões erradas, oscilava entre demonstrações de grande Fé e manifestações de medo e de tentativa de controlo do futuro com as próprias mãos e pelos próprios meios ... O Abrão que lia parecia-se, bem, comigo! E sei que contigo também. Parecia-se, aliás, connosco e com as nossas vidas de Fé flutuante.
Apercebi-me, nesse dia, que sempre tinha pensado nesta personagem como Abraão- o santo, o "produto finalizado" pelas obras e graças do Senhor - e não tanto como Abrão- o simples homem que ouviu o chamamento do Senhor e se deixou enamorar por Ele - que foi a sua factual identidade na maior parte da sua vida. Senão vejamos ...
Imagem da autoria de George Hawke, traduzida e adaptada por mim
Abrão tinha 75 anos quando Deus lhe falou ao coração pela primeira vez na vida (e eu que por vezes lamento ter tido uma conversão tardia). Foram 75 anos a viver como os seus antepassados, como pastores nómadas, sem rumo, sem um local para chamarem casa ou terra sua, sem pertença, sem vínculo. Mas, um dia, Abrão ouve uma voz, diferente de todas as outras, que o chama para Si: "Vem Comigo e Eu mostrar-te-ei a tua casa, o local onde pertences, a terra que Eu preparei para ti. Vem Comigo e Eu satisfarei todos os teus desejos e anseios mais profundos e íntimos. Vem Comigo, caminha Comigo, dá-Me a tua mão e deixa-te guiar por Mim, e viverás uma vida de bênçãos e graças, como nunca imaginaste ser possível ..."
Abraão não é o único "sortudo" a quem o Senhor diz e promete algo assim. Ele também o tenta dizer a mim e a ti, a cada um de nós, seus filhos tão amados. Aceitaremos parar para O escutar, como o fez Abrão? Estaremos dispostos a aceitar esta "intromissão" do Senhor nas nossas vidas, que revira os nossos planos e interesses, e nos convida a uma vida nova? Aceitaremos, tu e eu, o Seu desafio de amor?
Abrão responde a este primeiro chamamento da parte do Senhor e parte de Ur dos Caldeus, trazendo consigo Sarai, sua esposa, Lot, seu sobrinho, e Tera, seu pai, assim como todos os seus pertences e rebanhos (literalmente com a casa às costas!). Mas a sua Fé ainda é pequena, apesar de crescer a cada dia, e não o leva até muito longe.
Abrão pára em Harã (ou Haran), a cerca de 950km de distância de Ur dos Caldeus, a meio caminho da Terra Prometida, e começa a assentar o seu arraial, como se dissesse ao Senhor: "Olha, aqui parece-me um bom sítio, não achas? Já vim até longe o suficiente, não é? Aqui está bom. Acho que já chega de viagens, ficamos por aqui..."
Oh, quantas vezes tenho eu tido também esta atitude, à semelhança de Abrão, ao longo da minha vida?
A felicidade eterna que Deus nos promete, se nos confiarmos à Sua palavra e aos Seus desígnios, raramente será encontrada na razoabilidade. Deus não sabe amar assim, só o "suficiente". Nem nos chama a amar assim. É preciso dar tudo, para assim tudo receber das Suas mãos.
O pai de Abrão, Tera, morre precisamente em Harã. A ligação mais carnal e visceral de Abrão com o seu passado é, assim, quebrada, perdida. Isto serviu-lhe de sinal, para que compreendesse que estava na altura de continuar o caminho.
O Senhor disse a Abrão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos.» (Gn 12, 1-2)
Num momento de dor, Abrão volta-se para o Senhor e deixa-se confortar por Ele. Deus é o amigo que está sempre disponível para nos ouvir, para nos confortar, para nos apoiar, como Abrão descobrirá ao longo da sua longa vida. Há um novo diálogo íntimo entre Deus e Abrão, que volta a fazer crescer a sua Fé e a confiança nas promessas do Senhor. Desta vez, já é capaz de fazer todo o caminho até à Terra Prometida, em Canaã, a 1700 km de distância de Ur dos Caldeus.
Em Canaã, voltam a surgir dificuldades, o que parece abalar novamente a Fé de Abrão, colocando-o com dúvidas e receios. Ele apercebe-se que a Terra Prometida já se encontra ocupada por um povo forte e guerreiro, o povo cananeu. E, além disso, surge uma grande fome naquela região. Quase que o oiço dizer ao Senhor: "Não era suposto teres-me prometido uma terra que eu pudesse chamar minha? E uma terra abençoada por Ti, rica e farta e saciante? Então, de onde vêem tantas dificuldades?"
A fuga para o Egipto antecipa, sem Abrão se aperceber, a fuga dos seus descendentes - Jacob, seu neto, José e os seus 11 irmãos, seus bisnetos, e das suas famílias - que acontecerá anos mais tarde, como irá ser contada nos últimos capítulos do livro do Génesis. Desta forma, Abrão mostra-nos, pela primeira vez na Bíblia, como o Egipto é uma terra que oferece refúgio e crescimento, tal como fará várias vezes ao longo da história do povo numeroso que está prestes a ser formado pela Fé crescente, apesar de vacilante, de Abrão.
Chegou - esta foi a primeira palavra que surgiu na minha mente ao acordar. A promessa do Senhor chegou, cumpriu-se, está continuamente a cumprir-se. Estou a um passo mais perto do grande dia. Chegou e continua a chegar. Eis que Ele vem. Eis que já chegou ...
Se deixar de lado as dificuldades, as limitações e as lágrimas (tudo coisas que o Senhor amorosamente me enviou na tentativa de me tornar um pouquinho mais santa), dou por mim a pensar que o ano de 2020 foi o ano das promessas cumpridas (mais uma vez) na minha vida. E tudo, por obra e graça do Senhor.
Sim, foi um ano de espera (mais uma vez), um ano para aprender a dobrar a minha vontade e a escolher a vontade do Senhor (mais uma vez), um ano com todas as possibilidades para me tornar santa (adivinhem? mais uma vez também). E essa tarefa tanto trabalho tem dado ao Senhor ...
2021 será um ano particularmente especial para mim. Irá mudar (literalmente) toda a minha vida e todo o meu futuro. Exactamente 10 anos depois da minha conversão, direi o meu Sim perpétuo (o meu Fiat, à semelhança da nossa Mãe, cuja solenidade hoje celebramos) à vocação de amor a que o Senhor me chamou.
Será um ano duma vida nova, sim, mas, também por isso, desconhecida. E o desconhecido, pelo menos a mim, mete-me medo. Tanta coisa pode acontecer, e se...? E se acontecer isto ou aquilo? E se eu não conseguir? E se eu falhar?
Sim, eu irei falhar, muitas vezes. Sim, eu não vou conseguir, muitas vezes. Mas ficará tudo bem, sim, porque Deus não falha. Deus vence sempre. Deus sustenta-nos quando não conseguirmos. Deus orientar-nos-á e guiar-nos-á quando não soubermos o caminho ou não o consigamos ver.
Desde Abraão, nosso pai na Fé, que o Senhor nos diz isto continuamente. À semelhança de Abraão, também a mim, também a ti, «o Senhor nos dirige pessoalmente a Sua Palavra» e Se revela como um Deus que é capaz de tudo, para fazermos parte da Sua família, da Sua comunhão de amor. «A Fé é a nossa resposta a esta Palavra que nos interpela».
Como a Abraão, também a mim, também a ti, «a Palavra do Senhor transmite-nos um chamamento e uma promessa». Chama-nos a «sair de nós próprios», convida a abrir-nos a uma nova vida, provoca em nós um autêntico «êxodo», desde as terras da escravatura do pecado e do amor-próprio em que nos quisemos perder, e põe-nos a caminho da Terra Prometida, a terra do amor saciante, da infinita paz de espírito e de corpo, da alegria perpétua, da eterna comunhão ...
Mas como tal será possível? Parece algo tão grande e imenso, absolutamente impossível ... Na verdade, Abraão descobre, e cada um de nós é chamado também a descobrir e a experienciar, nas situações concretas das nossas vidas, que «a Fé vê na medida em que caminha».
O Senhor chama-nos e convida-nos, nós escutamos a Sua voz, nós permitimos que Ela chegue ao nosso coração, acreditamos nas Suas promessas e tomamos o pequeno passo de nos virarmos na Sua direcção. No preciso instante deste movimento, «a Fé», transmitindo-nos a graça super-abundante do Senhor, «permite-nos ver» - o suficiente, e nada mais que isso - «para darmos o próximo passo».
E como pôde Abraão, como podemos nós, acreditar nesta Palavra, nesta promessa do Senhor? Vem, Eu estou sempre contigo! Vem, Eu sustentar-te-ei, Eu acompanhar-te-ei, Eu serei tudo para ti.
O Senhor é tão rico em provas e em promessas cumpridas, como é rico em demonstrações de amor e de misericórdia. Olhemos com atenção para a nossa vida, olhemos para a vida do povo de Israel, olhemos para a vida da nossa família, do nosso país, da nossa era. Olhemos com atenção e rapidamente veremos como o Senhor tem sido rico em provas e em demonstrações. Algumas delas serão grandes e grandiosas, outras pequenas e humildes, muitas delas serão tão íntimas que só mesmo nós conseguimos vê-las e reconhecê-las como tal.
A Fé é uma «resposta ao chamamento do Senhor», mas é também um «exercício de memória».Lembra-te Israel, lembra-te Marisa, de tudo o que o Senhor fez e continua a fazer por ti, por amor a ti... E escuta-O, porque Ele promete-te que ainda fará mais!
Não era preciso, tudo o que aconteceu já era mais do que suficiente. Mas o amor não conhece limites! O amor nunca diz chega! E por isso, o Senhor, na sua infinita Bondade, continua a querer fazer-nos mais promessas! A essência da Sua promessa é só uma - Eu amar-te-ei para sempre! - mas torna-se concreta e real hoje mesmo, nas circunstâncias da nossa vida presente.
Assim, a Fé de Abraão, a minha Fé, a tua Fé, torna-se não só uma «resposta a uma Palavra que nos precede e nos interpela», mas também um «acto de memória», de «memória duma promessa», de «memória dum futuro», e que por isso se torna capaz de «iluminar cada novo passo do nosso caminho».
E se, como a Abraão, como a mim, este convite do Senhor vos assusta, de tão grande e belo que é, não nos esqueçamos que «a Palavra de Deus, embora traga consigo novidade e surpresa, não é de forma alguma alheia à experiência» de vida de cada um de nós. «Na voz que Se lhe dirige, Abraão reconhece um apelo profundo, desde sempre inscrito no mais íntimo do seu ser».
Se a promessa do Senhor vos assusta: não temais, não tenhais medo! O medo vem sempre do Maligno e a coragem de Deus! Cada um de vós foi preparado, desde o início da Criação, e tem sido continuamente moldado para poder cumprir a promessa a que o Senhor vos chama. Ele não nos faria aspirar a algo que não nos desse a Sua graça para cumprir, já Santa Teresinha nos testemunhava.
As palavras dos homens, estas mesmo que eu escrevo, são «efémeras e passageiras», fracas em si mesmo, insuficientes para cumprirem a realidade que anunciam. Mas quando esta «Palavra é pronunciada por Deus», Aquele que é fiel, «torna-se no que mais seguro e inabalável possa haver, possibilitando a continuidade do nosso caminho». A Palavra do Senhor é a «rocha segura, sobre a qual se pode construir com alicerces firmes» e duradouros, eternos aliás.
Não é por acaso que, tanto em hebraico como em grego como em latim, a palavra «Fé» deriva do verbo «sustentar» e é usada na Bíblia tanto para «significar a fidelidade de Deus» como a «fé do homem». Assim, «o homem fiel recebe a sua força do confiar-se nas mãos do Deus fiel». Vejam bem a dignidade do cristão, «que recebe o mesmo nome de Deus: ambos são chamados fiéis» (palavras de São Cirilo de Jerusalém, Doutor da Igreja)
E outro Doutor da Igreja, Santo Agostinho, nos explica que: «O homem fiel é aquele que crê no Deus que promete. O Deus fiel é aquele que concede o que prometeu ao homem».
É esta a minha oração, ao raiar deste dia: Ouçamos a voz do Senhor, no início deste novo ano e todos os dias da nossa vida. Ouçamos com atenção e façamos ressonância dentro de nós, façamos memória do futuro, acreditemos nas Suas promessas, sejamos corajosos, tenhamos Fé, sejamos fiéis, como Ele é fiel.
Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo - para sempre seja louvado com Sua Mãe, Maria Santíssima!
Primeiro trevas, depois uma luz brilhante proveniente do Senhor, o sopro do vento sobre as águas, a terra seca a surgir enquanto as águas se separam ... Estarei eu a falar do 3º dia da Criação, ou do episódio da divisão do Mar Vermelho?
Bem, de ambos, na verdade.
Deus disse: «Reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus, num único lugar, a fim de aparecer a terra seca.» E assim aconteceu. Deus chamou terra à parte sólida, e mar, ao conjunto das águas. E Deus viu que isto era bom. (Gn 1,9-10)
A imagem da divisão das águas - que representava o local do julgamento e da morte do homem - e do surgimento da terra seca - local seguro e estável, onde o homem poderia construir uma casa temporária, antes de chegar à sua Morada Eterna, no Reino dos Céus - foi uma imagem que permaneceu com o povo judeu durante muito tempo.
O povo hebreu não só viu, como experienciou na sua própria vida, esta imagem tão forte - a divisão das águas, inseguras e traiçoeiras, pelo poder do Senhor, e o surgir da terra seca, sólida e confiável. A indicação do caminho a seguir, preparado com a ternura dum Pai antes de todos os séculos ...
Moisés estendeu a sua mão sobre o mar e o Senhor fez recuar o mar com um vento forte do oriente toda a noite, e pôs o mar a seco. As águas dividiram-se, e os filhos de Israel entraram pelo meio do mar, por terra seca, e as águas eram para eles um muro à sua direita e à sua esquerda. (Ex 14,21-22)
Eis uma nova criação: um povo especialmente escolhido pelo Senhor. Cada hebreu recebeu um convite da parte do Senhor, um chamamento pessoal e único, para deixar o Egipto, a terra da escravatura, e a passar, através das águas do Mar Vermelho, pelo deserto das provações da vida, até chegar finalmente à Terra Prometida, onde então correria o mais puro leite e mel...
Neste deserto, Deus guiou e instruiu, alimentou e hidratou, curou e sarou o seu povo escolhido, dia após dia, tentando maravilhar e cativar os seus corações, durante 40 anos. O Senhor esforçou-se, enviando-lhes mil oportunidades por dia, para que o tempo passado no deserto, que as escolhas feitas por cada membro do Seu povo, lhes servissem para estabelecer qual o local da sua morada eterna - o Céu ou o Inferno.
Também hoje, na minha vida, o Senhor tenta proteger-me das águas enganadoras do pecado, levando-me por um caminho seguro, nesta passagem temporária pela terra, guiando-me e instruindo-me, alimentando-me e hidratando-me, curando-me e sarando-me, dia após dia. Também a mim, não me faltam oportunidades, todos os dias, a todo o instante, para me abrir à graça e ao amor de Deus, para me deixar moldar à Sua imagem e semelhança, para escolher o local da minha morada eterna - o Céu ou o Inferno.
Continuamos na maré de reflexões feitas durante as noites de insónia ...
O Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida, e o homem transformou-se num ser vivo. O Senhor Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar. O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, não encontrou auxiliar semelhante a ele.
Então, o Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne.Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. (Gn 2,7.15.20-22)
Costumava pensar em como deveria ser fácil e simples a vida no jardim do Éden. Oh, como seria bom voltar para lá, se fosse possível ... Quanto mais amadureço e mais vezes leio este relato, mais me vou apercebendo de que essa facilidade, afinal, não aparece escrita (nem implícita) em lado nenhum ...
Na história do primeiro casal da humanidade, vemos claramente como cada um recebeu o outro das próprias mãos de Deus. Não foi por conquista, nem por procura, nem por qualquer mérito próprio. O dom da vida do outro foi puro dom imerecido, dado por pura bondade pelo Deus-Amor.
Aliás, se lermos com atenção todo o relato da Criação, apercebemo-nos que tudo, absolutamente tudo - desde os animais, aos alimentos, até ao amor do cônjuge - é dado na forma de esperança e de dom de Deus. A lição diária da vida no jardim do Éden parece ser o aprender, dia após dia, a tudo receber das mãos de Deus ...
Adão é chamado a dominar o mundo, não para o destruir; mas para dele fazer brotar a vida, a cada novo instante, protegendo-a, conservando-a, guardando-a de todos os perigos ...
Adão foi feito à imagem de Deus, sim. Mas, sozinho, nunca se poderia tornar Seu semelhante, como era o desejo mais profundo que Deus tinha semeado no seu coração, desde o primeiro momento de vida. Adão pressentia esta realidade, mesmo sem a conhecer na totalidade, e por isso sentia-se profundamente insatisfeito e incompleto. Porque, para tornar-nos semelhantes a Deus, temos de nos tornar semelhantes à Santíssima Trindade, pura comunhão de Amor.
Assim, Adão adormece e deixa que Deus realize este seu desejo mais profundo. Coloca-se, uma vez mais, nas mãos de Deus. Adão adormece na expectativa e na esperança de que o Deus-Amor - que ele tinha vindo a conhecer e amar a cada novo passeio pela brisa da tarde - seria capaz de cumprir perfeitamente esse desejo de completude do seu coração - como só o melhor dos Pais e o mais perfeito dos Criadores o poderia fazer.
E é sob esta confiança e este abandono à vontade Divina, da parte de Adão, que Deus vai moldar, dando um corpo e espírito, àquela que corresponderá ao coração de Adão. É mais uma ternura da parte de Deus, dar ao homem a alegria de ser atendidona oração...
Finalmente, homem e mulher, unidos num só corpo e espírito, amando-se de tal forma que o seu amor transborda e transmite-se, ao ponto de ser capaz de gerar nova vida - tornando-se uma família - essa é a imagem e semelhança mais perfeita de Deus, Santíssima Trindade.
A serpente retorquiu à mulher: «Não, não morrereis;porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal». Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência, agarrou do fruto, comeu, deu dele também a seu marido, que estava junto dela, e ele também comeu. (Gn 3,4-6)
É impressionante apercebermo-nos de como a tentação, trazida pela serpente, vem exactamente na direcção deste desejo profundo (e justo!) que Adão e Eva têm de se realizarem numa semelhança cada vez mais perfeita com Deus ...
Contudo, ao contrário do acto de puro abandono de Adão nas mãos de Deus, Eva cede à tentação de procurar cumprir este desejo por sua própria iniciativa. Ao contrário de Adão, que se abandona à vontade Divina, Eva cede à tentação da cobiça. Enquanto Adão tinha demonstrado que estava disposto a esperar pelo tempo do Senhor - quem saberia se ainda demoraria dias, meses, anos ou décadas! - até que o seu desejo fosse cumprido, Eva cede à tentação de querer adquirir, imediatamente, a realização da promessa sibilada pela serpente ...
Eis o balanço da tragédia: o desejo original, puro e bem ordenado, que atraía mutuamente o homem e a mulher, e tanto um como o outro para a sua realização na semelhança perfeita com o Deus-Amor, alterou-se - de forma, aparentemente, irremediável...
Este desejo de semelhança com Deus, no homem, tornou-se em vontade de domínio e de posse sobre o outro - em vez de o acarinhar e proteger como dom de Deus. Na mulher, transformou-se em cobiça jamais saciada e numa atitude de insatisfação perene - em vez do acolhimento e nutrimento a que era inicialmente chamada ...
E pensar que Jesus, na Sua humanidade, e através da nova mulher, Maria, veio não só redimir e reparar o pecado cometido - por mim, por ti, todos os dias da nossa vida - mas também libertar-nos dele e das suas garras, e assim salvar-nos - para sempre! Sempre!
Tenho andado a passar por um período de insónias e, assim, a Bíblia tem-me acompanhado ainda mais do que o costume. Nestes dias, a Igreja tem-nos levado a meditar em diversas parábolas de Jesus, transmitidas até aos dias de hoje através do Evangelho segundo São Mateus.
Afastando-se, então, das multidões, Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se Dele, disseram-Lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo.» (Mt 13,36)
Também eu, na solidão do meu quarto, longe das confusões e preocupações que me enchem os dias, me tento aproximar de Jesus, pedindo-Lhe incessantemente: Senhor, explica-me ...
«O Reino do Céu é comparável a um homem que semeou boa semente no seu campo. Ora, enquanto os seus homens dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e afastou-se.Quando a haste cresceu e deu fruto, apareceu também o joio.
Os servos do dono da casa foram ter com ele e disseram-lhe: 'Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?'
'Foi algum inimigo meu que fez isto' - respondeu ele.
Disseram-lhe os servos: 'Queres que vamos arrancá-lo?'
Ele respondeu: 'Não, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo.Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa; e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; e recolhei o trigo no meu celeiro.'» (Mt 13, 24-30)
Estarei eu atenta aquilo que vai crescendo dentro de mim, no campo que o Senhor semeou, no meu coração, na minha vida?
As sementes do Senhor são abundantes e numerosas. Como é que eu as tenho recebido? Como as tenho nutrido? Estarei a ter o cuidado de continuamente enriquecer o solo do meu campo, com a virtude da humildade (que tem origem na palavra "humus" - solo), ou estarei eu a deixar que ele se endureça de orgulho?
Que tipo de sementes tenho eu permitido que criem raízes em mim? Sementes geradoras de vida, de trigo frutuoso, de trigo que se deixe arrancar e moer, para assim se tornar farinha e depois pão, a fim de dar vida aqueles que me rodeiam? Ou serão sementes ocas e vazias, que apenas ocupam espaço e tempo, impedindo que as boas sementes cresçam e se desenvolvam em pleno esplendor?
Contudo, é necessário aprender a esperar pelo tempo certo do Senhor. Se me deparar com algo que me pareça joio na minha vida, posso, num acto colérico, querer arrancá-lo imediatamente e assim tratar do assunto (à minha maneira, claro). Mas a verdade é que eu percebo pouco de "agricultura" ... saberei eu distinguir, realmente, o trigo do joio? Não, o Senhor não deseja que nenhum trigo se perca ou seja arrancado precocemente; e eu sei, por experiência, que percebo muito pouco de "agricultura" ... Na minha ânsia, posso estar a arrancar de forma irremediável algo que, na verdade, seja bom e traga o bem. É preciso ter paciência e esperar pela ordem interior que o Senhor nos dá - "Sim, é agora, é isso mesmo" ou "Não, ainda não, espera Marisa ...".
Pior ainda - posso cair na tentação de querer ir arrancar aquilo que me parece joio na vida do outro que me rodeia. Deixa-me que "te ajude", penso eu. Ah, que tentação frequente ... Não, apenas ao Senhor, e unicamente a Ele, pertence a ceifa e a colheita ...