O começo da caminhada de Fé de Abraão - e da nossa!
Este post começa com um suspiro. Saído bem de dentro da minha alma. Caramba Marisa, outra vez?
Cada vez mais noto que peco por falta de Fé. A minha confiança nas promessas do Senhor flutua continuamente e a minha resposta ao Seu chamamento diário é inconstante e vacilante. As dificuldades no caminho, por mais pequenas que sejam, tornam-me insegura, fazem-me duvidar com facilidade e, muitas vezes, pecar por falta de Fé.
Oh, como gostava de ser como tal e tal santo, ou como esta e a outra figura da Bíblia, com uma Fé sempre crescente, estável, inabalável ... Eles eram todos assim, não é, firmes, constantes e inalteráveis na sua Fé, enquanto eu pareço sempre ser flutuante e instável ... Não é?
Bem ... não, Marisa. Nem por isso. Nem sempre. Nem todos.
No outro dia, ao preparar a catequese para o meu grupo do 5ºvolume, pus-me a ler com atenção a história do Abraão. Ia lendo, capítulo a capítulo, tentando conhecer com pormenor a história da sua vida, para depois a ensinar aos meninos. Eis então que me apercebo de algo: eu não (re)conheço este Abrão!
Sempre tive tendência em pensar nesta personagem como Abraão, o nosso Pai na Fé, com uma das Fés mais fortes e resilientes da história do Cristianismo, sempre confiante nas promessas do Senhor, por mais impossíveis que elas parecessem à primeira vista. Mas, aquilo que eu ia lendo transmitiu-me, pela primeira vez na minha vida, uma imagem diferente.
O Abrão que eu lia tinha dúvidas, nem sempre acreditava nas palavras do Senhor, pecava inúmeras vezes, tomava decisões erradas, oscilava entre demonstrações de grande Fé e manifestações de medo e de tentativa de controlo do futuro com as próprias mãos e pelos próprios meios ... O Abrão que lia parecia-se, bem, comigo! E sei que contigo também. Parecia-se, aliás, connosco e com as nossas vidas de Fé flutuante.
Apercebi-me, nesse dia, que sempre tinha pensado nesta personagem como Abraão - o santo, o "produto finalizado" pelas obras e graças do Senhor - e não tanto como Abrão - o simples homem que ouviu o chamamento do Senhor e se deixou enamorar por Ele - que foi a sua factual identidade na maior parte da sua vida. Senão vejamos ...
Imagem da autoria de George Hawke, traduzida e adaptada por mim
Abrão tinha 75 anos quando Deus lhe falou ao coração pela primeira vez na vida (e eu que por vezes lamento ter tido uma conversão tardia). Foram 75 anos a viver como os seus antepassados, como pastores nómadas, sem rumo, sem um local para chamarem casa ou terra sua, sem pertença, sem vínculo. Mas, um dia, Abrão ouve uma voz, diferente de todas as outras, que o chama para Si: "Vem Comigo e Eu mostrar-te-ei a tua casa, o local onde pertences, a terra que Eu preparei para ti. Vem Comigo e Eu satisfarei todos os teus desejos e anseios mais profundos e íntimos. Vem Comigo, caminha Comigo, dá-Me a tua mão e deixa-te guiar por Mim, e viverás uma vida de bênçãos e graças, como nunca imaginaste ser possível ..."
Abraão não é o único "sortudo" a quem o Senhor diz e promete algo assim. Ele também o tenta dizer a mim e a ti, a cada um de nós, seus filhos tão amados. Aceitaremos parar para O escutar, como o fez Abrão? Estaremos dispostos a aceitar esta "intromissão" do Senhor nas nossas vidas, que revira os nossos planos e interesses, e nos convida a uma vida nova? Aceitaremos, tu e eu, o Seu desafio de amor?
Abrão responde a este primeiro chamamento da parte do Senhor e parte de Ur dos Caldeus, trazendo consigo Sarai, sua esposa, Lot, seu sobrinho, e Tera, seu pai, assim como todos os seus pertences e rebanhos (literalmente com a casa às costas!). Mas a sua Fé ainda é pequena, apesar de crescer a cada dia, e não o leva até muito longe.
Abrão pára em Harã (ou Haran), a cerca de 950km de distância de Ur dos Caldeus, a meio caminho da Terra Prometida, e começa a assentar o seu arraial, como se dissesse ao Senhor: "Olha, aqui parece-me um bom sítio, não achas? Já vim até longe o suficiente, não é? Aqui está bom. Acho que já chega de viagens, ficamos por aqui..."
Oh, quantas vezes tenho eu tido também esta atitude, à semelhança de Abrão, ao longo da minha vida?
A felicidade eterna que Deus nos promete, se nos confiarmos à Sua palavra e aos Seus desígnios, raramente será encontrada na razoabilidade. Deus não sabe amar assim, só o "suficiente". Nem nos chama a amar assim. É preciso dar tudo, para assim tudo receber das Suas mãos.
O pai de Abrão, Tera, morre precisamente em Harã. A ligação mais carnal e visceral de Abrão com o seu passado é, assim, quebrada, perdida. Isto serviu-lhe de sinal, para que compreendesse que estava na altura de continuar o caminho.
O Senhor disse a Abrão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos.» (Gn 12, 1-2)
Num momento de dor, Abrão volta-se para o Senhor e deixa-se confortar por Ele. Deus é o amigo que está sempre disponível para nos ouvir, para nos confortar, para nos apoiar, como Abrão descobrirá ao longo da sua longa vida. Há um novo diálogo íntimo entre Deus e Abrão, que volta a fazer crescer a sua Fé e a confiança nas promessas do Senhor. Desta vez, já é capaz de fazer todo o caminho até à Terra Prometida, em Canaã, a 1700 km de distância de Ur dos Caldeus.
Em Canaã, voltam a surgir dificuldades, o que parece abalar novamente a Fé de Abrão, colocando-o com dúvidas e receios. Ele apercebe-se que a Terra Prometida já se encontra ocupada por um povo forte e guerreiro, o povo cananeu. E, além disso, surge uma grande fome naquela região. Quase que o oiço dizer ao Senhor: "Não era suposto teres-me prometido uma terra que eu pudesse chamar minha? E uma terra abençoada por Ti, rica e farta e saciante? Então, de onde vêem tantas dificuldades?"
A fuga para o Egipto antecipa, sem Abrão se aperceber, a fuga dos seus descendentes - Jacob, seu neto, José e os seus 11 irmãos, seus bisnetos, e das suas famílias - que acontecerá anos mais tarde, como irá ser contada nos últimos capítulos do livro do Génesis. Desta forma, Abrão mostra-nos, pela primeira vez na Bíblia, como o Egipto é uma terra que oferece refúgio e crescimento, tal como fará várias vezes ao longo da história do povo numeroso que está prestes a ser formado pela Fé crescente, apesar de vacilante, de Abrão.